segunda-feira, 7 de abril de 2014

SHAMELESS






 

Shameless conta a história de uma família. Não uma família como as outras. Talvez uma família infeliz à sua maneira. Talvez uma família disfuncional de uma forma muito particular. O culpado é, sem sombra de dúvida, Frank Gallagher. Frank, farrapo humano, Gallagher. Pai de seis, alcoólico, toxicodependente, narcisista, hedonista, mentiroso compulsivo, traste maior de entre todos os trastes das redondezas. William. H. Macy (ofereçam um Emmy a este senhor!) compõe uma personagem imperdível. Nunca houve ninguém como Frank Gallagher na história da televisão. Ele não é inteligente, muito pelo contrário, mas tem uma criatividade, uma pulsão para a trapaça, uma originalidade na urdidura da mentira que é absolutamente fenomenal. Ninguém consegue inventar histórias mais mirabolantes destinadas a enganar o próximo que o pai dos Gallagher. E ninguém é menos digno da atribuição de tal parentesco que o Frank.

Este homem nunca foi pai de nenhum dos seus seis filhos biológicos, nem por um par de minutos. O que lhes fez e faz ainda passar não lembra nem ao Diabo. Esta história, no fundo, é uma história de sobrevivência. Como se consegue sobreviver a um pai que está sempre bêbado, que rouba o pouco dinheiro que se  consegue amealhar para comer, que trai, que difama, que faz trinta por uma linha para nos cortar as pernas?

A questão essencial na base da trama é saber até que ponto o ambiente condiciona a vida de uma pessoa. Neste caso de seis. Aos irmãos Gallagher não falta potencial. Ian é um patriota que sonha servir o país como militar. Lip é um sobredotado cujos professores reconhecem ter lugar em qualquer universidade de excelência. Debbie é uma miúda com uma inteligência emocional acima da média. Carl não será inteligente, mas não deixa de ter charme e capacidades ímpares. Liam é um bebé amoroso. E Fiona, ah, a Fiona nem sequer se consegue definir numa única frase. Fiona é, quanto a mim, a personagem principal. Toda a família gira em torno da Fiona, a mais velha, a que criou todos os outros irmãos, desde os seus quinze anos, quando a mãe, doente bipolar, abandonou o lar. 

Fiona podia ter acabado o liceu. Podia ter sido uma atleta. Podia ter batido recordes na corrida. Podia ter sonhado com uma vida melhor. Mas não pode. Porque os irmãos tinham de comer. Os irmãos tinham de ir ao hospital. Os irmãos tinham de vestir-se, ir para a escola, jantar, dormir, etc. Alguém tinha de dar o copo ao manifesto para conseguir trazer uns tostões para casa e a mais velha era a Fiona. Agora tem vinte e um anos e continua a fazer o mesmo: a trabalhar para alimentar a família. 

No entanto, apesar de tantas e tão diversas qualidades, o que irá ser destas crianças e jovens no futuro?

Até que ponto é que estas seis pessoas ficaram limitadas, impedidas de desenvolver todo seu potencial devido ao ambiente hostil em que cresceram? Pode o ambiente ser mais determinante na  formação da personalidade de uma pessoa que a genética? Eis a questão que a série parece tentar responder. Eu que ainda vou  a meio da terceira temporada da versão americana (a versão inglesa já vai na 9ª temporada) ainda não tenho uma resposta.

Parece um drama? É um drama. Mas por incrível que pareça é também uma comédia. Uma comédia de rir à gargalhada. É mesmo como a vida: uma enorme tragicomédia. Num minuto apetece chorar e no outro só dá para rir e vice-versa. Num ritmo alucinante. Sem lamechices. Sem contemplações. 

Em Shameless há pessoas muito más. Há pessoas boas, há pessoas muito doidas, e há pessoas que tentam sobreviver. Haverá melhor retrato do mundo?