Todos os dias faço o mesmo trajecto para o trabalho. Cindo
minutos após colocar o carro em marcha percorro uma estrada à beira de uma
serra de modesto relevo, plena de vegetação rasteira, que do outro lado tem as
traseiras de grandes e médias fábricas industriais, empresas de serviço e
grandes superfícies comerciais. A via é secundária e discreta, o trânsito
intenso. É portanto a localização perfeita e elas lá estão. Faça chuva faça
sol, ao relento dos dias, aquelas mariposas ocupam o campo. Debaixo de um chapéu-de- praia, sentadas em cadeiras de plástico a folhear revistas. São dois
pequenos grupos de matronas pesadas e de idade que se esperava respeitável.
Confesso que já nem as olho com atenção durante o meu
percurso habitual nos dias úteis. Conheço-lhes as feições tristes, as poses
exageradas, as roupas pardas. Mas aos Sábados lá estão elas. Enquanto os outros
passeiam, eu continuo a ir para o trabalho e as borboletas estão de plantão
recordando-me que não estou só na minha sina de não descansar ao sexto dia.
Fazem-me reconciliar com o aconchego do automóvel. Acomodo-me melhor nos
estofos da viatura pensando na fragilidade do pano do chapéu-de-sol que
permitirá que o vento frio as trespasse nas cadeiras rijas.
Aos Domingos encaro-as de frente a prescutar-lhes as emoções.
Estarão tão cansadas quanto eu? Haverá revolta por terem de suportar a fúria
selvagem dos elementos quanto todos os cristãos vão à missa, pachorrentos?
Mas aquelas andorinhas não se deixam descodificar facilmente.
Fico na dúvida até chegar ao meu posto. Durante o dia quando calha a receber
uma dentada de algum animal menos domesticado penso que outras mulheres também
por obrigação do seu ofícío estarão a ser alvo de ferroadas que lhes dilacerarão
as carnes. Colegas na arte de lidar com o lado selvagem da vida.
De volta à casa vejo-as ainda de serviço, alvo fácil dos
caprichos da chuva e dos machos que continuam a povoar as bermas da Avenida
Marconi. Sorrio com a ironia da toponímia. Quase parece que elas,
reconhecendo-me, me sorriem também.