quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O TAMANHO DO MUNDO (poema de rasura do livro de António Lobo Antunes)

 




O TAMANHO DO MUNDO

 

A solidão mede-se pelos estalos dos móveis à noite

Uma lágrima de torneira atravessa o escuro

O relógio elétrico na mesa de cabeceira a tricotar o tempo

converte o sono em mobília

Os objetos aumentam nos naperons

inclinados para mim a escutarem

Eu a juntar-me aos poucos no colchão

Tão estranho as pessoas serem uma voz

vinda do centro da terra

com o silêncio de Lisboa inteira à volta

O primeiro morcego a riscar o silêncio

com o giz do seu grito

Qual de nós sou eu?

 

Tantas cores vivas de repente em mim

O mês de abril a nascer-me por dentro

Orgulhosa de continuar a florir

assistindo aos pássaros que não poisam nunca

Gaivotas que trazem

os primeiros barcos da manhã no bico

É impossível que os mortos não andem aí à procura

Há tantas vidas em nós

para onde irá isso tudo

Qual é exatamente o tamanho do mundo