quinta-feira, 9 de outubro de 2014

OS FACILITADORES



Este livro impressiona. Uma coisa é suspeitarmos de ligações duvidosas entre o mundo da política e o mundo dos negócios com os advogados como ponte (sim, estou a usar um eufemismo), outra coisa é ver tudo explicadinho ao pormenor. É como observar uma necrópsia de um polvo gigante dissecado ao centímetro. Uma coisa é imaginar um polvo por fora, outra é vê-lo por dentro.
Ainda vou no 1º capítulo. Não consigo avançar depressa. Nem o tempo mo permite nem a a leitura é fácil. Mas apesar da dificuldade, do incómodo que fica com a percepção de uma realidade que não é nada benigna, não deixo de ficar feliz por estar a ler este livro.
Finalmente surge uma esperança de que estejam a surgir na sociedade pessoas, e melhor ainda, jornalistas, que se interessam por investigar e divulgar este assunto tão crucial para a nossa vida presente e futura. Porque parece que temos vivido um tempo de aceitação, de resignação e de desistência em relação ao “estado das coisas”. Eu vi a chegada deste livro como um ponto de viragem. Sei que “Os Privilegiados” vieram primeiro mas suspeito que este livro seja mais importante ainda.
Compreendo a opção do autor de não ter ligado os pontos, não ter um capítulo de conclusões. Fez muito bem. Porque as pessoas têm de ter a liberdade de quererem ver ou não quererem ver. A metáfora dos pontos que se unem é muito boa. É como aqueles livros de crianças que são de colorir. Não é preciso ser muito inteligente, basta ter vontade, para unir os pontos e formar uma imagem. Está tudo lá. A população tem de chegar a uma conclusão: se quer continuar a viver assim ou não.
E não importa muito, a meu ver, se “ o referido sistema de correlação entre o poder político, as sociedades de advogados e os interesses empresariais funciona como ordem espontânea (grown order) ou uma ordem construída (made order) (…).”
O que interessa é que as coisas como estão só interessam a um grupo muito restrito de pessoas. E aquilo a que chamamos Democracia na prática não existe por estar totalmente pervertida em favor desses particulares interesses.

Muito perspicaz e lúcida noção do autor de que o Homem necessita de padrões para conseguir sobreviver ao caos. Sim, é verdade, mas para isso se inventou a literatura e em particular a poesia. Para compreender o mundo, seja o natural ou artificial, temos de usar a razão e o espírito cientifico. Para nosso bem. E aqui entra o trabalho jornalístico de Gustavo Sampaio, que é objectivo, minucioso, exaustivo, corajoso e muito bem escrito. Um trabalho com todo o mérito. Uma pérola monumental.
Um livro completamente imprescindível.

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