sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Livro Proibido




Tinha o pressentimento que o livro me causaria sofrimento. Por isso não o comprei. Mas, sempre que o vejo nos escaparates das livrarias, chama-me. Tenho de lhe pegar. Ler o resumo da contra-capa, o título, o nome do autor, tocar-lhe e acariciá-lo. Já pensei até em levá-lo só para o ter na minha estante, junto com os outros. Só para olhar para ele, sentir que a minha colecção estava a ficar mais composta. Mas temo o seu poder de atracção. Certamente que se ele estivesse ali, à mão de semear, não me contentaria em contemplá-lo apenas. Primeiro iria abrir uma página ao calhas e leria uns parágrafos. E sentiria uma dor indefinida, uma impressão desconfortável, uma aflição. Se uma frase falasse de um rosto, de uns olhos ou de um chapéu, iria reconhecer de quem se tratava e isso seria inconveniente e angustiante. Seria tão constrangedor como entrar sem querer num provador de roupa de uma loja,por engano, e apanhar alguém com as calças na mão.
Não deveria ser capaz de decifrar os enigmas do livro. Mas por um estranho acaso, ou  pontaria no sentido do azar, veio parar-me às mãos o código que permite resolver os criptogramas encerrados no contexto. E assim o livro tornou-se claro e aberto à minha compreensão o que faz a sua leitura, como direi, emocionalmente desafiadora, ou mais simplesmente, penosa.
Conhecendo-me como conheço sei que dos pequenos excertos dispersos acabaria por ler o livro de uma ponta à outra e provavelmente chegaria ao fim para voltar ao princípio, repetindo a dose. Sim, sou masoquista a esse ponto.
Do pouco que li hoje, senti que estava a ver-me a mim mesma vestida da alma do autor. O peso do silêncio, a necessidade de evidência documental do fracasso, a espera na rua em vão, a esperança estéril, a incapacidade de interromper um sentimento sem sentido, o desespero da perda recalcado com requintes de contenção, a solidão esmagadora. Os pormenores, as ruas, as luzes, os automóveis, como se fossem adereços da minha própria história. Como se eu estivesse estado lá. Como se pudesse entender completamente tudo o que estava escrito.
O livro não me dá espaço à imaginação e à dúvida. A sua clareza torna-se esmagadora.
Como se o livro fosse uma espécie de máquina do espaço-tempo e me transportasse para dentro dele e me encurralasse. O meu medo é não mais poder sair.
Estive com ele na mão alguns minutos. Cheguei a dar dois passos em direcção à caixa. Mas recuei. Por hoje salvei-me.




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