segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O TEMPO MORTO É UM BOM LUGAR


" Escrever é só um artifício para chorar diante de todos sem que ninguém veja (...)"

Acaba assim este romance de Manuel Jorge Marmelo. Se não nos desse mais do que esta frase final, o livro já valeria a pena.
Mas este livro dá-nos muito mais. Desde o primeiro parágrafo até ao último agarra-nos com uma escrita límpida, lúcida e ao mesmo tempo poética.
Tive vontade de conhecer esta história depois de ler uma entrevista ao autor num jornal diário. Fiquei a saber que é a história de um jornalista desempregado que é preso e descobre que a prisão é o local ideal para escrever um livro.
 Já fantasiei muito com essa ideia. Sempre que vejo alguém sair da prisão com ar mais magro e mais saudável depois de uma curta estadia sinto uma certa inveja: ah como seria confortável viver sem preocupações durante 6 meses e não pensar em mais responsabilidade que encher meia dúzia de páginas por dia...
Pelos vistos Marmelo também deve ter pensado coisa semelhante.  Não podendo recolher à prisão voluntariamente pensou em criar uma personagem que o conseguisse. E se bem pensou melhor o fez.

Herculano Vermelho, jornalista desempregado encontra na reclusão a liberdade perdida inerente a esse estigma. Mas na verdade, a liberdade é uma miragem. Não há liberdade sem amarras. E o tempo morto da prisão acaba por ser o melhor lugar para quem precisa de um espaço de recolhimento para a ficção ou a poesia. Não é por acaso que Vermelho é um vencido da poesia, um poeta desistente. 

Mas o livro não é só isso. Tem histórias dentro de histórias, tem personagens que são pessoas dentro de pessoas, tem mistério, tem suspense e tem um retrato da actualidade urbana portuguesa.

Há uma parte do livro em que a voz narrativa é a de uma personagem feminina, Soraya Évora, a vítima cujo o assassinato é imputado ao jornalista.
Pois aqui Marmelo é mulher. Não é para qualquer um.
Para mim este é o livro mais importante de 2014. 
Venha mais obra.

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