O
Homem-pássaro
Daquele
dia em que o terror foi rei o que ficou retido para sempre na minha
memória foi o Homem-pássaro.
A
imprensa americana chamou-lhe “the falling man”.
A
fotografia impressiona. A posição do corpo é vertical, de cabeça
para baixo. As pernas estão flectidas, uma mais que a outra. Uma das
torres gémeas ocupa toda a imagem, em fundo. O homem apresenta-se
estranhamente equilibrado na queda. Não parece desamparado. Quase
que podia julgar-se que ele dirige a descida. Quase que parece um
voo. Um voo picado para baixo de um Homem-pássaro.
A foto
chocou o mundo e incendiou paixões. Gerou protestos de muitas vozes.
Ninguém queria ver aquela foto escarrapachada nos jornais. Dizia-se
que retirava privacidade ao homem que durante a viagem de dez
segundos vivia os seus últimos momentos. Para além disso magoava.
Depois
vieram as tentativas de identificação da pessoa. Por cada hipótese
adiantada surgiram rejeições. Ninguém queria assumir o
Homem-pássaro. Ele envergonhava as viúvas e assustava os órfãos.
Como se aquela foto mostrasse uma viagem voluntária para morte.
O
Homem-pássaro não se matou. Aquele homem decidiu ser pássaro nos
últimos dez segundos que lhe restavam. Já se tinha despedido dos
entes amados. Já tinha rezado ao seu Deus. Já se tinha despedido da
sua condição humana. Só não conseguia ainda despedir-se da vida.
Queria mais. E só havia uma maneira de conseguir prolongar o tempo
que lhe restava: transformando-se em pássaro. Durante a viagem para
baixo pode sentir o vento frio na cara. Pode ver o céu radioso. Pode
respirar.
Por
mais dez segundos.
A
imagem do fotógrafo não é um testemunho do desejo de morte. Ou da
fragilidade do ser humano perante a tragédia. É a prova da
capacidade de abraçar a vida. Tão esmagadora que pode transformar
um homem em pássaro e fazê-lo voar. Nem que seja por dez preciosos e
eternos segundos.
Paz à
sua alma.
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