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"O Grito do Joker" de Ben Chen, paródia do "Grito" de Munch
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Voltaste, meu velho amigo,
após um considerável interregno, por alguns momentos até consegui
esquecer-me de ti, confesso. Mas agora aqui estás, viçoso, forte e
possante como nos bons velhos tempos, é admirável como os anos por
ti não passam. Não posso dizer que tive saudades tuas, senti, porém,
a tua falta, e foi de alegria a sensação que essa ausência me
proporcionou. Tenho de ser sincera, pois tu tudo vês, tudo entendes,
de nada adianta mentir ou ocultar. Sou transparente aos teus olhos
mas também nada apresentas que eu não tenha memorizado ao pormenor.
Conheço as tuas manhas, os segredos, os tiques, os truques, as
hesitações, os contra golpes, os caprichos, os argumentos, as
razões, os desejos. Sei a tua sombra. Acompanhas-me desde outras
eras e aprendi a reconhecer-te apesar de chegares sempre com novas
caras, vestindo diversos corpos, outras roupagens. É a sombra, que
tudo invade, que te caracteriza. Uma sombra que sobe por nós a
cima e nos mina por dentro. Sei o teu poder. Nada sobra que me possas
esconder.
Regressas então, uma vez
mais, para reinar sobre mim. Demasiadas vezes dei luta, uma vã
resistência que me deixou exausta. Não vou cair nos mesmos erros.
Vou evitar as estratégias que, tendo sido já experimentadas, se
demonstraram infrutíferas, prejudiciais até. Espernear não posso.
Terás de mim total aceitação, conivência, resignação. Não te
darei as boas vindas, mentir não posso, tudo sabes, tudo vês. Não
me alegrarei na tua volta. Serenamente te abraçarei, meu amigo,
velho companheiro de outros dias, outras épocas. Conta-me histórias
antigas, parceiro. Dá-me boas novas doutros países. Meu camarada, o
Silêncio.