D. Amori hesitava em frente à porta
por de trás da qual esperava o Sr. Godofredo. Deveria partilhar com
ele o segredo ou deveria manter o recato e a discrição que sempre
haviam sido as melhores qualidades do seu carácter?
O seu peixinho vermelho começara desde
a véspera a formar palavras com as bolhinhas que fazia com a boca.
Primeiro tinham sido: PAZ e DEDO. Hoje já tinha feito CORDAS, MODA e
BOLO. Por um lado precisava ardentemente de alguém que a ajudasse a
decifrar aquela intrigante mensagem, se alguma houvesse proveniente
daquele bafo de guelras, por outro temia cair em total descrédito
perante a vizinhança. Não que duvidasse por um segundo da sua
lucidez de raciocínio mas compreendia que a natureza daquele animal
pertencia às profundezas dos oceanos e por conseguinte não estava
ao alcance de ser prontamente entendido pelos seres humanos.
Imagine-se que o peixe vermelho, Igor, como D. Amori o costumava
chamar, se inibia de produzir efeitos visuais, com as bolhinhas de ar
que exalava, em frente a vultos estranhos. O que seria então da
respeitável imagem que de si fazia o prédio inteiro mal o rumor da
sua bizarra invenção se espalhasse?
Não havia tempo pois o Sr. Godofredo já
tocara pela segunda vez. Prolongar a demora era aumentar a estranheza
e as consequentes perguntas. D. Amori nunca permitia um segundo toque
de campainha, muito menos ao Sr. Godofredo na sua costumeira visita.
Abriu e disse: "o Igor aprendeu a
escrever".
Ele apenas esboçou uma ligeira
interrogação, muito longe da dúvida. Entraram os dois na sala e
plantaram-se em frente ao aquário redondo.
O peixinho vermelho soprou da sua boca
circular: AMEM.
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