sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DIAS DE TEMPESTADE

DIAS DE TEMPESTADE  é um livro de poemas de José Duarte escritos através do método de Rasura. Passo a palavra ao autor para explicar de que se trata:

"O presente volume é uma obra de carácter experimentalista. Tomando conhecimento do processo de Erasure, que é uma forma de Found Poetry, decidi aplicá-lo a uma obra clássica: Moby Dick (1851)  de Herman Melville. O processo consiste no corte/apagamento de algumas palavras num determinado texto, em prosa ou em verso, e as que sobrarem são usadas para construir um poema. São retiradas palavras, frases, e às vezes, parágrafos inteiros, que são trabalhados visualmente na página, de modo a criar o poema e dar um novo sentido ao texto.
As possibilidades de criação são infinitas: cortar palavras com uma tesoura e montá-las numa página nova, usar um marcador e apagar partes de uma texto, usar um lápis ou, até mesmo, o computador. As palavras podem ficar na mesma posição em que estavam ou ser distribuídas de forma diferente pela página. O resultado pode ser variado: um novo sentido, uma nova história ou a mesma história, mas contada de maneira diferente. Cabe a quem está envolvido no processo perceber qual é o caminho das palavras.
Julie Judkins, num workshop sobre este método, chamou-lhe uma poesia da ausência."

Chamar à Rasura poesia da ausência é a velha história de ver o copo meio vazio. Se preferirmos ver o copo meio cheio podemos chamar-lhe poesia da colheita. No fundo é como quem apanha fruta num pomar. Implica olhar por entre as ramagens e descobrir, achar, o mais importante. Ou seja ir ao núcleo poético do texto e retirar, colher as palavras que interessam. E eis que do texto se extrai um poema, o fruto. (E como o pomar é alheio pode dizer-se que é um fruto-furto.)

Neste caso particular a matéria-prima e a perícia do recolector são tão boas que o resultado é um conjunto de poemas maravilhoso. 
Foi-me difícil escolher um poema como exemplo. Aqui vos deixo este:
( também podem conhecer mais poesia do autor visitando o seu blogue:aescritaemdias.blogspot.com, eu visitarei.)


XXI

Deixo atrás de mim faces pálidas
sinto obscuramente o metal sólido
falta-me a minha alma

obedecer
a um sofrimento cósmico
O tempo e
as águas são vastas.
               o meu coração pesado como chumbo
relógio parado
A baleia branca
                 Com sentimentos
humanos

o resultado final
é bizarro

talvez o mundo
a cruzar versos não tem
tempo

é louco ou está bêbado
-os deuses e os homens no meio
dos bosques não têm entranhas



experiência religiosa

vesti o hábito
de despir o monge
ó céus!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Old Whore's Diet





Old Whore's Diet [feat. Antony Hegarty] - Rufus Wainwright from Want Two (2004). Footage from The Blood of a Poet (Le Sang d'un Poète) directed by Jean Cocteau (1930).




comida requentada
dieta de puta velha
faz-me levantar de manhã
faz-me levantar de manhã
dizer que te amo
desperta-me pela manhã
desperta-me pela manhã
assim vou vivendo
aqui e no Inferno
aqui ou no Inferno
vais precisar
de uma ajuda suicida
dieta de puta velha
vai bem com sangue de poeta
dizer que te amo
 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

solve et coagula

Sole et coagula, Wutwolf

Procuro
a fórmula para macerar a mágoa,
transformar o chumbo em língua.
Plano B,
à boa maneira finlandesa,
imergi-la dentro de caixas em água
e confiar no aviso de perigo:
Maldição.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Auriga




Era o tempo de aprender o que é um homem.
O tempo de aprender o que são mãos grossas de homem.
Voz grave de homem.
Segredos incrustados em rochas, o mar morou no alto das montanhas, as estrelas têm nomes e formam desenhos no céu da noite.
Era o tempo de saber tudo o que um homem ensina: xadrez, coragem, deslealdade, a recordação de um amor único.
Naquele tempo estive a ponto de conhecer um homem.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

sortilégio

Odalisca, Mariano Fortuny



Devia passar mais creme nas pernas,
massajar os cotovelos todas as manhãs,
escovar o cabelo contando até cem,
experimentar mais vestidos antes de sair.

Devia aconchegar os seios com as mãos
olhando-me ao espelho antes de dormir,
oferecer o tacto à pele mais escondida,
demorar-me onde a tensão me chama.

Porque o corpo é o único inocente.



domingo, 16 de novembro de 2014

Miss Mardle



A mulher madura que ama o homem fraco.
A mulher madura que durante 12 anos amou o homem fraco.
A mulher madura que viveu 12 anos de amor pelo homem fraco.
Sentiu o útero secar no meio das entranhas e não se importou.
Maior era o amor pelo homem fraco.
O homem fraco, toupeira para a luz que vinha aos olhos,
no final só viu o útero seco.
Casou e teve filhos de uma rapariga nova.