DIAS DE TEMPESTADE é um livro de poemas de José Duarte escritos através do método de Rasura. Passo a palavra ao autor para explicar de que se trata:
"O presente volume é uma obra de carácter experimentalista. Tomando conhecimento do processo de Erasure, que é uma forma de Found Poetry, decidi aplicá-lo a uma obra clássica: Moby Dick (1851) de Herman Melville. O processo consiste no corte/apagamento de algumas palavras num determinado texto, em prosa ou em verso, e as que sobrarem são usadas para construir um poema. São retiradas palavras, frases, e às vezes, parágrafos inteiros, que são trabalhados visualmente na página, de modo a criar o poema e dar um novo sentido ao texto.
As possibilidades de criação são infinitas: cortar palavras com uma tesoura e montá-las numa página nova, usar um marcador e apagar partes de uma texto, usar um lápis ou, até mesmo, o computador. As palavras podem ficar na mesma posição em que estavam ou ser distribuídas de forma diferente pela página. O resultado pode ser variado: um novo sentido, uma nova história ou a mesma história, mas contada de maneira diferente. Cabe a quem está envolvido no processo perceber qual é o caminho das palavras.
Julie Judkins, num workshop sobre este método, chamou-lhe uma poesia da ausência."
Chamar à Rasura poesia da ausência é a velha história de ver o copo meio vazio. Se preferirmos ver o copo meio cheio podemos chamar-lhe poesia da colheita. No fundo é como quem apanha fruta num pomar. Implica olhar por entre as ramagens e descobrir, achar, o mais importante. Ou seja ir ao núcleo poético do texto e retirar, colher as palavras que interessam. E eis que do texto se extrai um poema, o fruto. (E como o pomar é alheio pode dizer-se que é um fruto-furto.)
Neste caso particular a matéria-prima e a perícia do recolector são tão boas que o resultado é um conjunto de poemas maravilhoso.
Foi-me difícil escolher um poema como exemplo. Aqui vos deixo este:
( também podem conhecer mais poesia do autor visitando o seu blogue:aescritaemdias.blogspot.com, eu visitarei.)
XXI
Deixo atrás de mim faces pálidas
sinto obscuramente o metal sólido
falta-me a minha alma
obedecer
a um sofrimento cósmico
O tempo e
as águas são vastas.
o meu coração pesado como chumbo
relógio parado
A baleia branca
Com sentimentos
humanos
o resultado final
é bizarro
talvez o mundo
a cruzar versos não tem
tempo
é louco ou está bêbado
-os deuses e os homens no meio
dos bosques não têm entranhas
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