O conto seguinte apresenta palavras também desconhecidas pertencentes ao
dialeto alentejano, mas o leitor o entenderá como um texto em língua portuguesa. Para
melhor entendimento do texto, a própria autora apresentou a explicação das expressões
usadas, consultando o Dicionário de falares do Alentejo, de BARROS, Vítor Fernando &
GUERREIRO, Lourivaldo Martins.
CONFISSÃO ALENTEJANA
Conto de Ana R. Marques reeditado em 07-03-2009 (Recanto das Letras.
Código do texto: T 1309830)
__ Louvado seja Jesus Cristo!
__ Louvado seja sempre.
_ _ Há quanto tempo não te confessas, minha filha?
__ Vai fazer um mês, Senhor Padre.
__ Ó minha filha, então por quê? Costumas vir todas as semanas. O que te
apoquenta?
__ Senhor Padre, nem sei como lhe dizer. Anda um assunto aberrundando-me,
mas...
__ Procura-me o que quiseres, filha. Não deves ter melindres de desabafar com o
teu confessor.
__ O meu noivo, Senhor Padre... Está em alas para experimentar...O que as
pessoas fazem depois de casadas...
__ Agora cá! Mas vocês não são casados, valha-me Deus! Não podem ir contra as
leis de Deus, filha! Querem casar ou querem ajoujar-se?
__ Casar, Senhor Padre. Mas ele diz que entre noivos não haveria de ser grande
pecado.
__ Isso é lá a julgadura dele. Mas é a ele que cabe estabelecer a lei de Deus? Que
pachouvada! Tu tens de ser rabeta e ter tinório.
__ Então, como devo fazer? Não quero que ele fique alcanchofrado comigo. E,
Senhor Padre, nós estamos muito encegueirados um pelo outro. Ele anda
desinsofrido.
__ Eu entendo-te, filha. O caso está bichoso. Um homem não é de ferro, e uma
moça também não. Se não existissem esses desejos ninguém casava. Tal como
se não existisse o paladar ninguém comia e morríamos todos. Acontece que o ser
humano quando é cristão tem de seguir as boas leis de Cristo. Não nos devemos
afastar do Evangelho. Atinta nas minhas palavras, pois elas são para teu bem.
Mas para que te possa aconselhar melhor deves contar-me tudo o que vós tendes
feito durante o vosso derrete.
__ Como assim, Senhor Padre?
__ Tudo. Conta-me tudo. Já o viste à espervela? Ele toca-te?
__ Ai Jesus! Que entalo!
__ Mexeu-te nas lanteriscas? Não sejas marreta e conta-me.
__ Senhor Padre, quando estamos beijando ele quer que lhe mexa no martelinho.
Mas eu não sei se devo. Mas nunca o vi nadavau.
__ Ele é merlo mas tu terás de ser mais mérrula. Não podes albardar isso. Tal mimo
desperta os apetites do verdugo e num flaite estás em privança. Não te esqueças
que podes ficar embaraçada. Já viste que papel seria?
__ Não quero isso, Senhor Padre. Que dava um patatum à minha mãe. E o
arrecuão que o meu pai me daria até me causa agasturas.
__ Tem calma, filha. Tenta apressar a boda. Podes beijá-lo com caranço mas sem
escofiar as lanteriscas do moço. Não tomes isto como um recado. És esgalhada,
empapoilada e tens andado a aziá-las. Ele também te mexe na rola?
-- Ai, Senhor Padre!
-- Se não me contas a mim hás-de contar a quem? Dou-te bons conselhos no
sentido de evitar a gadela. Todo o homem é pirata. .Sei que não és moça alvarina.
Confia no teu confessor. É para tua boa orientação, filha. Apressa a boda. Mexeu-
te na pinta? Por cima ou por baixo dos froxéis?
-- Por baixo,l Senhor Padre...
-- Não é galinha-morta esse teu noivo, não! E enquanto isso acontecia estavas
dando-lhe galanduchas no seu romão-cego?
__ Sim, Senhor Padre...
__ Não é nenhum mata-formigas, não. Não ficaram almareados? Conseguiram
parar a tempo?
__ Sim, Senhor Padre... Mas está ficando cada dia mais difícil. Dá-me a espertina
de noite. Sinto uma calorina pelo corpo todo. E passo o tempo afofando estar com
ele outra vez.
__ Apressa a boda! Não te deixes enodoar, filha. A vila está cheia de trogalheiras
sempre à espreita. Fazem de ti uma bagaça e lá vai o noivado para o maneta.
__ Isso é que nunca! Dava-me uma travadinha que nunca mais me recompunha.
Vou ter cautelas, Padre.
__ Agora diz três Ave-Marias e o acto de contrição. Para a semana voltas cá. E
tornas a contar-me tudo.
Pequeno glossário para compreensão do conto. FONTE: BARROS, Vítor Fernando &
GUERREIRO, Lourivaldo Martins. Dicionário de Falares do Alentejo. 3.ed. Lisboa: Âncora
Editora, 2013.
Aberrundar: atormentar
À espervela: à mostra, a nu
Afofar: achar gosto antecipado a qualquer coisa
Agasturas: ânsias
Agora cá!: Não penses nisso!
Ajoujar-se: amancebar-se
Estar em alas: estar ansioso
Albardar: permitir
Alcanchofrado: zangado
Alvarina: leviana
Arrecuão: descompostura
Atintar: ver bem
Bichoso: difícil de resolver
Calorina: calor
Caranço: ternura
Derrete: namoro
Desinsofrido: impaciente
Embaraçada: Grávida
Empapoilada: bem vestida, garrida
Encegueirados: apaixonados
Enodoar: Manchar a reputação de alguém
Entalo: Aflição
Escofiar: acariciar
Esgalhada: airosa, formosa
Estar a aziá-las: estar a pedi-las
Num flaite: num instante
Froxéis: roupa interior de senhora
Gadela: cópula
Galinha-morta: tolo
Julgatura: opinião
Lantriscas. Partes íntimas
Marreta: teimosa
Martelinho: pénis
Mata-formigas: parvo
Merlo: esperto
Mérrula: astuta
Nadavau: nu
Pachouvada: asneirada
Papel: escândalo
Patatum: chelique
Pinta: vagina
Pirata: malandro
Procurar: perguntar
Recado: repreensão
Romão-cego: pénis
Rola: orgão sexual feminino
Tinório: muito juízo
Verdugo. Homem musculoso
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