"Marilyn puntos rojos" by Antonio de Felipe |
Vinha atravessando a praça do Marquês em passo acelerado quando a vi aproximar. Loira, bem penteada, com os lábios bem delineados a vermelho, elegantemente vestida, pareceu-me uma Marilyn de fato à executiva. Perguntou-me se me podia fazer uma pergunta. Claro, pensei logo que vinha tresmalhada dos magotes de turistas do Chiado e estava perdida. Se eu conhecia, da Bíblia, Deus-mãe. Se já tinha ouvido falar de Deus-mãe. E repetia Deus-mãe. Sim, disse-lhe, Deus-mãe, Deus-pai e Deus-filho, a família completa, mentindo a cem à hora. A pressa, essa, era real. E tive pena de não ter ficado à conversa, a tentar perceber se Deus-mãe constava mesmo da Bíblia ou seria talvez um erro de tradução numa dessas passagens de língua em língua que o livro teve de sofrer. Quando contei o episódio lembraram-me que de facto eu já ouvira falar de Deus-mãe. Afinal outras estrangeiras, dessa vez orientais, já haviam deambulado pela faculdade de letras tentando evangelizar estudantes para o Deus feminino. Fiquei mais curiosa ainda. Deus-mãe. Será o deus da beleza e da moda? O deus da graça e da elegância, da doçura e da simpatia? Quem serão os seus discípulos? Jovens musculados, impecavelmente escanhoados de tronco nu? Odaliscas de longas pernas bem torneadas? E as orações, como serão as orações? Preces em favor do calor humano, do amor entre os géneros, ou dentro dos géneros, do amor apenas enquanto tal...
E quantos e quantas se conseguirão abster de rezar, depois de ajoelhar?
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