Beckett, o meu cão |
Farto-me de rir quando oiço dizer, a propósito do bem estar animal, que hoje em dia se humaniza demasiado os bichos. Fico a pensar que estas pessoas estão a ver o filme todo ao contrário.
Eu gosto muito de cães, sempre gostei, mas nunca confundi estes animais com pessoas. Muito pelo contrário, sei ver muito bem as diferenças.
Um dia tinha eu quinze ou dezasseis anos, andava pelo quintal dos meus avós com um cachorro ao colo, achando que seria a coisa mais natural do mundo, diz-me um tio assim:
- que andas tu a fazer com esse cão ao colo, não vês que não é uma pessoa?
- E desde quando é que me vê andar por aí com pessoas ao colo?
Foi a primeira vez que me apercebi do erro fundamental desta gente que embirra com quem gosta de bichos, da confusão que lhes vai na alma. Uma pessoa não tem de dar qualidades humanas a um animal para gostar dele. Ainda para mais quando esse animal já tem qualidades de sobra. Isso não quer dizer que não se goste de pessoas. Eu gosto de pessoas, eu vivo rodeada de pessoas. Mas ainda assim, se não existir um cão, pelo menos, na minha vida, há qualquer coisa que falta, e não descanso enquanto não preencher esse vazio.
A relação entre uma pessoa e um cão é única. Existe uma ligação, uma confiança, um consolo que não se retira de nenhuma outra. Um cão olha para nós com benevolência, com abnegação. Não lhes interessa toda a panóplia de defeitos que qualquer humano carrega consigo, como uma cruz. Desde que lhe retribuía o afecto o cão vai estar sempre do seu lado, dê por onde der.
Depois há outra coisa muito importante que o Paulo Varela Gomes descreveu numa das suas magníficas crónicas sobre animais, o estado de felicidade de um cão é muito bom de testemunhar.
Sem cães só conseguimos perceber o que é a felicidade em teoria. Porque somos, por natureza, criaturas insatisfeitas e inquietas, sempre à procura de alguma coisa que nos escapa.
Um cão, desde que tenha as suas necessidades básicas atendidas, comida, água e cama confortável, alcança a felicidade facilmente, através do afecto que lhe damos. Passamos a ter o privilégio de ver um ser feliz todos os dias quando chegamos a casa e nos recebe com a cauda a abanar e os olhinhos agradecidos. Sabemos que a vida é perfeita para ele. Pelo menos ver, ter um exemplo, da tão sonhada Felicidade. Afinal ela mora mesmo ali ao nosso lado, quando já pensavámos que talvez fosse apenas do domínio do imaginário.