quarta-feira, 28 de outubro de 2015
terça-feira, 27 de outubro de 2015
As nossas ofensas
O mal que nos fazem ajuda-nos a perceber o mal que fazemos aos outros. Acreditamos que não será tanto uma violência premeditada mas antes uma incapacidade proveniente de um desconhecimento fortuito. Acreditamos que não é uma mera violência gratuita. Porque um desconhecimento é muito menos grave que a pura ignorância, esse terrível virar de cara consciente. É uma fé. E uma fé tem muito mais força, por vezes, que uma simples certeza.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
21 do 10 de 2015
chega cá
mais perto
mais
ainda me hás-de render
uns versos
dois ou três
(mais?)
p'ra começar
de improviso
a língua entorta
dura
vai enrolar-se
aos cantos
da boca
como cobra
à espreita
um pressentimento
dizem que o futuro
regressa hoje
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
2666, ROBERTO BOLAÑO
Roberto
Bolaño era um poeta.
Ninguém
melhor que um poeta para saber que a vida dá uma mão à loucura e
outra à solidão.
Não
é por acaso que tantas das personagens, secundárias e principais,
são loucas e outras estão a enlouquecer, a ouvir vozes, a ver uma
realidade alternativa, talvez mais verdadeira que as demais.
Há
até um jovem polícia entusiasta dos métodos científicos de
investigação criminal, um racionalista, que se chama Lalo Cura (La
locura...) E nada disto é por acaso.
Temos
o poeta louco, o pintor louco internado num hospício, que corta a
mão direito para a a incorporar no seu auto-retrato, a jovem mãe
louca que abandona o lar, o professor universitário que pendura um
livro de geometria no estendal da roupa e tem uma voz na sua cabeça
que não lhe dá tréguas.
E
os que não estão loucos estão a apaixonar-se,
que no fundo é só o reverso da medalha, ou a ante-câmara da
verdadeira demência.
Deixo
uma citação de um dos loucos secundários: (não me lembro se do
poeta louco ou do pintor louco, pois escrevi isto num papel solto e
não apontei quem era):
“ O meu amigo (…) acreditava na Humanidade, portanto, acreditava
na ordem, na ordem da pintura e na ordem das palavras, pois a pintura
não se faz com outra coisa. Acreditava na redenção. No fundo, até
é possível, que acreditasse no progresso. A coincidência, pelo
contrário é a liberdade total a que estamos condenados pela nossa
própria natureza. A coincidência não obedece a leis e se lhes
obedece nós desconhecemo-las. A coincidência, se me permite a
comparação, é como Deus que se manifesta em cada segundo no nosso
planeta. Um Deus incompreensível com gestos incompreensíveis
dirigidos às suas criaturas incompreensíveis. Nesse furacão, nessa
implosão óssea, realiza-se a comunhão. A comunhão da coincidência
com os seus rastos e a comunhão dos seus rastos connosco.”
2666
é um calhamaço de mais de mil páginas, nunca tinha lido um livro
tão grande, pelo menos um deste calibre de uma só vez. Bolaño
queria que o livro fosse publicado em cinco volumes distintos para
que rendesse mais dinheiro pois sabia que tinha pouco tempo de vida
quando o escreveu e queria assegurar o futuro financeiro dos filhos.
Mas o editor encontrou tal coerência nas cinco narrativas,e
qualidade de escrita fora do comum, que achou por bem publicar
um só livro composto por cinco partes, os cinco mega-capítulos da
obra.
O
primeiro livro chama-se “ Os Críticos”. É a história de quatro
críticos literários,
três homens e uma mulher, de diferentes nacionalidades, que
constroem a sua carreira académica em torno de um misterioso
escritor alemão em vias de receber um Nobel. Existe um enorme
mistério acerca deste escritor. Os críticos, como querem desvendar
o enigma, partem numa viagem para o México, onde se supõe que o
escritor alemão se esconda. É no México que o resto do livro se
passa. Numa cidade inventada, Santa Teresa, que é a cópia
ficcionada de Juarez, onde em 1993 começa a ocorrer uma vaga de
crimes contra mulheres, fora de comum pela violência e pelo número
de vítimas.
Os
críticos, uma inglesa, um italiano, um francês e um espanhol, vão
estabelecendo uma complexa relação entre eles ao longo da
narrativa, o que traz uma forte carga erótica à história. Aliás,
este capítulo mete num chinelo, num chinelo de trazer por casa, o
tal 50 sombras de Grey.
Os
dois capítulos seguintes passam-se no México e têm como título
“Fate”, um jornalista americano enviado por um acaso à cidade
para investigar os crimes, e “Amalfitano” o tal professor
filósofo que está a ficar louco. Amalfitano tem uma filha jovem,
como as mulheres que estão a ser assassinadas a um ritmo assustador,
e na sua cabeça surge uma voz de denúncia dos horrores que por ali
se passam. Bolaño não dá de bandeja a resolução dos mistérios
mas no fim do livro, quando se pensa que nada ficou explicado se
pensarmos um bocadinho Amalfitano dá-nos a solução do problema,
ele conhece como ninguém as razões dos crimes e aponta os culpados.
Estou convencida que, apesar das mil e tal páginas, 2666 é um livro
para se ler duas vezes.
O
quarto capítulo chama-se “Os Crimes” e conta em pormenor as
cerca de 300 mortes violentas de mulheres jovens, estudantes e
trabalhadoras e as investigações respectivas, se é que se pode
chamar “investigação” ao trabalho dos polícias que acompanham
o caso, se é que se pode chamar “trabalho” à forma como que
estes profissionais lidam com as ocorrências (com a honrosa excepção
do jovem polícia Lalo Cura). É um relato exaustivo e
impressionante que, no final, nos deixa em suspenso. O que aconteceu?
Queremos saber o que aconteceu, quem matou as mulheres? O suspeito na
prisão é um bode expiatório? Porque continuam a morrer mulheres a
um ritmo alucinante apesar das detenções?
O
5º capítulo não nos ajuda a responder às perguntas. Chama-se
“Archimboldi” e conta a história do misterioso escritor alemão.
Percebemos no final porque veio ele parar a Santa Teresa. E tudo tem
a ver com os crimes. Os crimes fecham o círculo ao serem a causa da
vinda dos críticos que estão em “perseguição” do escritor que
mais parece um fantasma que quase nunca ninguém conheceu, ninguém
sabe muito bem quem é.
E
só no fim do livro, quando sabemos que não vamos ter mais
respostas, que nos pomos a pensar no problema que nos é deixado em
aberto e percebemos tudo. É só juntar os pontos. Bolaño não
facilita o trabalho mas as respostas estão todas lá. Eu sei quem
matou as mulheres e porque elas morrem. Não vou dizer porque isso é
trabalho do leitor. Sem esse esforço o livro não teria a força que
tem. É um livro verdadeiramente fenomenal.
Bolaño
é um dos maiores escritores de sempre.
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
riso
o riso vem da terra
raízes fundas
sondando gargalhadas
junto aos veios de água
sobem às folhas
que o vento há-de espalhar
como riso
raízes fundas
sondando gargalhadas
junto aos veios de água
sobem às folhas
que o vento há-de espalhar
como riso
the end
o homem é ego
o ego é filigrana
a filigrana é faca
a faca é arma
a arma é morte
a morte é começo
o começo é o fim
o ego é filigrana
a filigrana é faca
a faca é arma
a arma é morte
a morte é começo
o começo é o fim
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
Depois das Eleições
Lembro-me
do dia seguinte ao sufrágio que conduziu o Mário Soares à
presidência da república pela primeira vez. Tinha dezasseis ou
dezassete anos e ainda não podia votar mas aquela foi a eleição da
minha vida. Nunca mais voltaria a viver de modo tão intenso uma
campanha e um acto eleitoral.
Pois
nesse dia, na escola, numa aula de Matemática, com uma professora
que tinha sido freira, pelo menos era o boato que circulava, o
ambiente era de cortar à faca. “A Democracia é uma coisa muito
estúpida!” disse ela virada para a turma, com os olhos chispando
de raiva. Olhava para ela, estarrecida, tentado manter a compostura
pois sabia que ela falava para mim.
Meses
antes, naquela mesma aula da manhã de segunda-feira, tinha havido
festa quando o Freitas do Amaral passava à 2ª volta com larga
margem e o Mário Soares passava à rasquinha.
Em
pleno período de aprendizagem da disciplina de Matemática, alunos e
alunas, sob o olhar orgulhoso e feliz da professora, abraçavam-se
efusivamente, dando vivas e alvíssaras.
E
agora tudo tinha ido por água abaixo. Naquele tempo tinha acabado de
perceber a diferença entre Esquerda e Direita. Para surpresa minha
estava num liceu maioritariamente frequentado por filhos de gente de
Direita. As meninas usavam todas os mesmos casacos de fazenda verde
seco, giríssimos, como se sentissem uma necessidade de serem
uniformizadas. E elas e eles colavam nas roupas os autocolantes do
seu candidato, o candidato da Direita. Eu observava, isolada, calada,
a festa dos outros. Todos os jovens, mesmo os não votantes, iam aos
comícios, e prolongavam-nos no recinto escolar. Era talvez a febre
da descoberta da livre escolha dos nossos destinos, uma paixão
política que talvez só seja possível na idade da inocência.
Um dia
uma rapariga de outra turma, que conhecia só de vista, apareceu com
um autocolante do Mário Soares, que dizia apenas Soares é fixe, com
uma bola redonda amarela com um sorriso. Parecia um ícone do
Facebook. Foi um escândalo. Senti-me tão inspirada pelo gesto
heróico daquela colega que resolvi, no dia seguinte, colar um
também. O olhar da turma era fulminante mas o da minha professora de
Matemática era aterrador. Nunca mais gostou de mim. Depois daquilo
que ela considerou uma derrota pessoal, passou a tomar-me de ponta.
Insultou a Democracia e achava que eu era parte do grupo dos tais
estúpidos que deram a maioria a um presidente de Esquerda.
Mas a
Democracia não é a vitória dos espertos contra os estúpidos nem o
seu contrário.
Se ela
pudesse prever o futuro naquela época, veria que o seu candidato nem
era assim tão mais à Direita do meu. Eu veria que o meu candidato
não assim tão mais à Esquerda do candidato da minha professora de
Matemática.
Enquanto
houver Democracia podemos acreditar, apenas, que ganha a maioria e
que, haja o que houver, passados quatro anos, existe uma hipótese de
tudo poder voltar a entrar nos eixos. Se a maioria assim o quiser.
E isso
é tudo menos estúpido.
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
braço de ferro
Ele falava com ela por delicadeza.
Foi respondendo por boa educação.
Mas no braço de ferro do tédio contra a compaixão,
e também porque era desprovido de vaidade,
o primeiro foi mais forte,
que não há pachorra para velhas.
Foi respondendo por boa educação.
Mas no braço de ferro do tédio contra a compaixão,
e também porque era desprovido de vaidade,
o primeiro foi mais forte,
que não há pachorra para velhas.
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