sábado, 7 de outubro de 2017
memória futura
o tempo plantou-se à espreita nas palavras
e esperou que viesses
a língua depositou caligrafias na pele
decalque
para a memória futura do teu corpo
surpresa
na maré viva
do meu ventre
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Pessoas do passado, pessoas do futuro
Há dois tipos de pessoas, as do passado e as do futuro.
As pessoas do futuro são as que se transportam diariamente para o dia seguinte. Quando lá chegamos encontramo-las à nossa espera. Antecipam-se ao pensamento e, assim, por lá continuam a habitar.
As do passado não avançam. Fixam-se no dia em que as deixamos de ver. Para que as encontremos temos de nos lembrar delas. Ora, como bem sabemos, recordar é contra as forças da natureza, dá trabalho. Por vezes incomoda.
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
Fogo
O elemento
da protecção civil
deu o fogo
como controlado
mas não extinto.
Aquiesci,
dei o peito
às cinzas
e ardi
silenciosamente.
terça-feira, 26 de setembro de 2017
POEMA SOBRE A MINHA MÃE (de Duarte Marques)
Mãe
Tu és a melhor mãe que eu já conheci no mundo inteiro.
Nem na Amazónia conheço uma mãe como tu.
Tu és a melhor.
Sempre que te pergunto qual é a tua cor favorita tu dizes:
não sei!
És tu!
Tu és o meu favorito,
favorito entre todo o mundo!
Tratas-me bem como tratas todos os outros cães.
Cães da tua clínica e de todo o mundo.
Mundo de mais de mil cães.
Tu adoras cães.
Os teus olhos brilham como o sol.
Os cabelos como o mar.
És a pessoa que tem mais sentido para mim.
Não sei como é que nasci de uma bela concha como tu.
domingo, 20 de agosto de 2017
Poção Trágica
chego a ver
subindo as escadas
esse leite iluminado
fruto do olho cego
veneno agonizador
as minhas mãos
desirmanadas tomando-o
obedientes
duas cabeças
de cabra
sem mancha
oferta queimada
de cheiro suave
ao senhor
as mãos
como pés que marcham
vão à boca
obstinada
beber o mal
para alcançar o bem
ser doce cúmplice
é cumprir no silêncio
a expiação da culpa
e tudo aceito
por tua vontade
como se também eu
acreditasse
adeus
quarta-feira, 19 de julho de 2017
Space Oddity
Imaginemos
por um instante, façam-me lá esse pequeno agrado, o Neil deGrasse
Tyson a ler no Facebook as declarações daquele grupo de pessoas que
acredita piamente que a Terra é plana.
Eu
diria que encolheria ligeiramente os ombros, abanaria
desconsoladamente a cabeça duas ou três vezes e passaria adiante,
para a estrela mais próxima ou mais distante, aposto que o estudo da
mais longínqua lhe dará mais entusiasmo.
O que
um grupo de centenas de milhares de “rednecks” escolhe acreditar
por ignorância pura não tirará o sono, nem a concentração, a um
astrofísico que se dedica à divulgação científica com afinco e
alegria. Tyson trabalha, respira e vive para levar o conhecimento a
quem o quiser receber.
Aprender é um processo activo, tem de haver uma vontade consciente e
voluntária de quem recebe a informação.
Da
mesma maneira a ignorância implica uma vontade activa de recusa de
conhecimento. A ignorância não é sinónimo de desconhecimento.
Cada
um de nós transporta um certo grau de desconhecimento que é sempre
elevado em relação à quantidade de conhecimento disponível sobre
uma imensidão de assuntos e que é impossível abarcar no tempo de
uma vida. Desconhecer é inevitável, e acontece sem a nossa
colaboração.
A
ignorância, é a busca voluntária e consciente do desconhecimento.
Acontece quando alguém sabe que existe uma determinada informação
mas prefere manter-se longe desta. Prefere não saber. Trata-se
portanto de uma escolha, uma liberdade.
Como
devem calcular a ignorância pode ser por vezes útil. Ninguém pode
saber tudo sobre tudo, há que fazer opções pois os nossos
neurónios são finitos e convêm poupa-los.
Podemos
até ter a necessidade ou o simples capricho de ignorar certas
pessoas. Quem nunca?
Nem
toda a gente me interessa. Eu não interesso a toda a gente. Por isso
sou ignorada por algumas pessoas e não posso levar-lhe a mal. Cada
um tem os seus gostos. E é assim que está certo.
Terminando
este parêntesis e continuando o meu exercício de imaginação,
voltemos ao Neil. Ele vai lendo barbaridades na Internet, nada de
novo no reino da “Dinamarca”, e tal, quando lhe passa pela vista
um discurso de um professor de física lá do burgo, com prémios
recebidos, medalhas de mérito, doutoramentos, pós-graduações aos
magotes, reconhecimento unânime dos seus pares, em que este afirma
que a terra é plana, descobriu em sonhos a noite passada, jurando a
pés juntos ser verdade, verdadinha, que eu morra aqui e tudo.
Se
calhar, desta vez, não se lhe encolherão os ombros, nem a cabeça
abanará dolentemente. Talvez as rugas da testa se tornem mais
sulcadas e os lábios contritos de preocupação. Um físico que
apregoa uma mentira está a propagar um fogo na floresta do
conhecimento e a impedir que as pessoas que buscam a sombra fresca e
reconfortante da verdade científica a possam alcançar.
Estou
a ver o deGrasse a enfiar o seu equipamento de bombeiro, apanhar a
sua mangueira e em segundos ficar pronto para a luta contra o fogo
ardente da idiotice. Vejo-o até a ligar o seu SIRESP, felizmente,
neste caso, um SIRESP amigo e eficaz: o Bill Maher, o John Oliver, o
Stephen Colbert e os jornalistas em geral para desmascarar o
Físico-impostor ou o Físico-enlouquecido, não sabemos mas para o
caso vai dar igual.
E
assim, o Neil Tyson vai usar a melhor arma contra as chamas negras da
irracionalidade: a palavra, o veículo do pensamento inteligente do
Homem. Se não bastar a palavra, venha o canhão maior: a Matemática.
Se
nada disto der certo perguntem ao Major Tom, ele sabe, ele esteve lá.
domingo, 16 de julho de 2017
UM POEMA DE FERNANDO PINTO RIBEIRO
SALMO
a João Bigotte
Chorão.
Estou
morto.
Mas a vida
lambe a minha pele em labaredas.
Sou noite.
Mas o dia
põe-me nos lábios papoilas
e coroa-me de espigas o cabelo.
Ceguei.
Mas a luz
vem poisar-me sobre as pálpebras
outras tantas borboletas inquietas.
Não oiço.
Mas o eco do silêncio
canta o hino imenso que eu não posso.
Não respiro.
Mas aspiro o alento
da maresia no vento.
Não sinto.
Mas pressinto: a minha alma arde
e uma chaga floriu na minha carne.
Não choro.
Mas tremem estrelas cadentes
nas lágrimas pendentes que sustenho.
Não canto.
Mas sopro nuvens
no pó que levanto.
Não ando.
Mas todo o meu espírito
vadia sem folga nem descanso.
Não durmo.
Hiberno: verme esvurmo limo e lama
no fosso em que me enfurno
aninho e faço a cama.
Não amo.
Sobre a seta quebrada no meu peito
raiva uma fonte de sangue
a incendiar a sede a incinerar a fome
dos homens dos bichos das florestas.
Não sonho.
Mas a fé
faz da esperança e da saudade
sentinelas do sepulcro
onde vivo o meu coração jaz
pisado por cavalos em tumulto.
Estou morto.
Mas o sol explode
a luz esplende
em plena primavera
neste corpo
que me prende
e me suspende
absorto.
Mas a vida
lambe a minha pele em labaredas.
Sou noite.
Mas o dia
põe-me nos lábios papoilas
e coroa-me de espigas o cabelo.
Ceguei.
Mas a luz
vem poisar-me sobre as pálpebras
outras tantas borboletas inquietas.
Não oiço.
Mas o eco do silêncio
canta o hino imenso que eu não posso.
Não respiro.
Mas aspiro o alento
da maresia no vento.
Não sinto.
Mas pressinto: a minha alma arde
e uma chaga floriu na minha carne.
Não choro.
Mas tremem estrelas cadentes
nas lágrimas pendentes que sustenho.
Não canto.
Mas sopro nuvens
no pó que levanto.
Não ando.
Mas todo o meu espírito
vadia sem folga nem descanso.
Não durmo.
Hiberno: verme esvurmo limo e lama
no fosso em que me enfurno
aninho e faço a cama.
Não amo.
Sobre a seta quebrada no meu peito
raiva uma fonte de sangue
a incendiar a sede a incinerar a fome
dos homens dos bichos das florestas.
Não sonho.
Mas a fé
faz da esperança e da saudade
sentinelas do sepulcro
onde vivo o meu coração jaz
pisado por cavalos em tumulto.
Estou morto.
Mas o sol explode
a luz esplende
em plena primavera
neste corpo
que me prende
e me suspende
absorto.
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