Imaginemos
por um instante, façam-me lá esse pequeno agrado, o Neil deGrasse
Tyson a ler no Facebook as declarações daquele grupo de pessoas que
acredita piamente que a Terra é plana.
Eu
diria que encolheria ligeiramente os ombros, abanaria
desconsoladamente a cabeça duas ou três vezes e passaria adiante,
para a estrela mais próxima ou mais distante, aposto que o estudo da
mais longínqua lhe dará mais entusiasmo.
O que
um grupo de centenas de milhares de “rednecks” escolhe acreditar
por ignorância pura não tirará o sono, nem a concentração, a um
astrofísico que se dedica à divulgação científica com afinco e
alegria. Tyson trabalha, respira e vive para levar o conhecimento a
quem o quiser receber.
Aprender é um processo activo, tem de haver uma vontade consciente e
voluntária de quem recebe a informação.
Da
mesma maneira a ignorância implica uma vontade activa de recusa de
conhecimento. A ignorância não é sinónimo de desconhecimento.
Cada
um de nós transporta um certo grau de desconhecimento que é sempre
elevado em relação à quantidade de conhecimento disponível sobre
uma imensidão de assuntos e que é impossível abarcar no tempo de
uma vida. Desconhecer é inevitável, e acontece sem a nossa
colaboração.
A
ignorância, é a busca voluntária e consciente do desconhecimento.
Acontece quando alguém sabe que existe uma determinada informação
mas prefere manter-se longe desta. Prefere não saber. Trata-se
portanto de uma escolha, uma liberdade.
Como
devem calcular a ignorância pode ser por vezes útil. Ninguém pode
saber tudo sobre tudo, há que fazer opções pois os nossos
neurónios são finitos e convêm poupa-los.
Podemos
até ter a necessidade ou o simples capricho de ignorar certas
pessoas. Quem nunca?
Nem
toda a gente me interessa. Eu não interesso a toda a gente. Por isso
sou ignorada por algumas pessoas e não posso levar-lhe a mal. Cada
um tem os seus gostos. E é assim que está certo.
Terminando
este parêntesis e continuando o meu exercício de imaginação,
voltemos ao Neil. Ele vai lendo barbaridades na Internet, nada de
novo no reino da “Dinamarca”, e tal, quando lhe passa pela vista
um discurso de um professor de física lá do burgo, com prémios
recebidos, medalhas de mérito, doutoramentos, pós-graduações aos
magotes, reconhecimento unânime dos seus pares, em que este afirma
que a terra é plana, descobriu em sonhos a noite passada, jurando a
pés juntos ser verdade, verdadinha, que eu morra aqui e tudo.
Se
calhar, desta vez, não se lhe encolherão os ombros, nem a cabeça
abanará dolentemente. Talvez as rugas da testa se tornem mais
sulcadas e os lábios contritos de preocupação. Um físico que
apregoa uma mentira está a propagar um fogo na floresta do
conhecimento e a impedir que as pessoas que buscam a sombra fresca e
reconfortante da verdade científica a possam alcançar.
Estou
a ver o deGrasse a enfiar o seu equipamento de bombeiro, apanhar a
sua mangueira e em segundos ficar pronto para a luta contra o fogo
ardente da idiotice. Vejo-o até a ligar o seu SIRESP, felizmente,
neste caso, um SIRESP amigo e eficaz: o Bill Maher, o John Oliver, o
Stephen Colbert e os jornalistas em geral para desmascarar o
Físico-impostor ou o Físico-enlouquecido, não sabemos mas para o
caso vai dar igual.
E
assim, o Neil Tyson vai usar a melhor arma contra as chamas negras da
irracionalidade: a palavra, o veículo do pensamento inteligente do
Homem. Se não bastar a palavra, venha o canhão maior: a Matemática.
Se
nada disto der certo perguntem ao Major Tom, ele sabe, ele esteve lá.
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