sexta-feira, 17 de junho de 2016

Inteligência Artificial



Pode um engenheiro 
(pode?) 
algo esperto
inventar 
o algoritmo certo
(pode?)
com algum ritmo
(pode?)
vencer um rito perto
(pode?)
fazer o que é recto
(pode?)
criar asas
(pode?)
à nossa máquina íntima
de voar?


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Alergia


Seated Pierrot, Pablo Picasso

Quando o  pingo
ultrapassa
o muco
e corre  desenfreado
à entrada
da dupla porta
lanças a mão ao lenço
em urgência,
onde está,
no bolso da calça?
Depressa!
E já a ameaça do rio
escorrendo,
onde está,
na bolsa de alça?

O ar todo entra
de repente no peito,
depressa,
depressa,
o reino por um lenço,
onde está?
Chega por fim
o estrondoso alívio
chuviscoso.
Lembras-te
dos espirros
dos Pierrots.


quarta-feira, 1 de junho de 2016

uma pedra sobre o assunto


The Sleeping Beauty, Arthur Rackham



Não sei se desisti
ou fui derrotada.
A pedra aterrou
sobre o assunto.
A sela pousou
suave
sobre o cavalo
indomável.
Vi o fundo
do poço sem fim.
A cal viva
barrou
o teu corpo
para sempre
adormecido.



quinta-feira, 26 de maio de 2016

CÃO É CÃO

Beckett, o meu cão


Farto-me de rir quando oiço dizer, a propósito do bem estar animal, que hoje em dia se humaniza demasiado os bichos. Fico a pensar que estas pessoas estão a ver o filme todo ao contrário. 
Eu gosto muito de cães, sempre gostei, mas nunca confundi estes animais com pessoas. Muito pelo contrário, sei ver muito bem as diferenças.
Um dia tinha eu quinze ou dezasseis anos, andava pelo quintal dos meus avós com um cachorro ao colo, achando que seria a coisa mais natural do mundo, diz-me um tio assim:
- que andas tu a fazer com esse cão ao colo, não vês que não é uma pessoa?
- E desde quando é que me vê andar por aí com pessoas ao colo?
Foi a primeira vez que me apercebi do erro fundamental desta gente que embirra com quem gosta de bichos, da confusão que lhes vai na alma. Uma pessoa não tem de dar qualidades humanas a um animal para gostar dele. Ainda para mais quando esse animal já tem qualidades de sobra. Isso não quer dizer que não se goste de pessoas. Eu gosto de pessoas, eu vivo rodeada de pessoas. Mas ainda assim, se não existir um cão, pelo menos, na minha vida, há qualquer coisa que falta, e não descanso enquanto não preencher esse vazio.
A relação entre uma pessoa e um cão é única. Existe uma ligação, uma confiança, um consolo que não se retira de nenhuma outra. Um cão olha para nós com benevolência, com abnegação. Não lhes interessa toda a panóplia de defeitos que qualquer humano carrega consigo, como uma cruz. Desde que lhe retribuía o afecto o cão vai estar sempre do seu lado, dê por onde der.
Depois há outra coisa muito importante que o Paulo Varela Gomes descreveu numa das suas magníficas crónicas sobre animais, o estado de felicidade de um cão é muito bom de testemunhar.
Sem cães só conseguimos perceber o que é a felicidade em teoria. Porque somos, por natureza, criaturas insatisfeitas e inquietas, sempre à procura de alguma coisa que nos escapa.
Um cão, desde que tenha as suas necessidades básicas atendidas, comida, água e cama confortável, alcança a felicidade facilmente, através do afecto que lhe damos. Passamos a ter o privilégio de ver um ser feliz todos os dias quando chegamos a casa e nos recebe com a cauda a abanar e os olhinhos agradecidos. Sabemos que a vida é perfeita para ele. Pelo menos ver, ter um exemplo, da tão sonhada Felicidade. Afinal ela mora mesmo ali ao nosso lado, quando já pensavámos que talvez fosse apenas do domínio do imaginário.

sábado, 21 de maio de 2016

Babel conjugal

Azucrinava-me os ouvidos. Disse-lhe: cala-te pá, esquecendo-me que era francês. Falou toda a noite. Falhando-me.

sábado, 14 de maio de 2016

Coisas com bichos





Fico perplexa com a reação de algumas pessoas à mudança do regime jurídico que costumava considerar animais como coisas. Parece que há quem tenha apanhado um susto e reaja com um certo terror. Mas será que ainda não tinham desconfiado que os animais não eram coisas? Nem uma suspeiçãozinha pequena, uma pulguinha a trás da orelha, nada? 
Esta reação remete-me para a época vitoriana, quando o Charles Darwin apresentou o seu "A Origem das Espécies". Também aí elas e eles se passaram completamente pensando que a sua humanidade iria ser rebaixada ao nível dos macacos. Elas com medo que lhes desatasse a crescer o buço e eles em pânico de ficarem com as costas felpudas como o Tony Ramos.
Faz-nos falta, talvez, um batalhão de Carls Sagans que venham explicar em programas de televisão o quão fabulosa e única é a nossa espécie, aqui neste pequeno ponto azul, na periferia do Universo. Como é belo o nosso código genético e excitante é a nossa História ao longo de milhões e milhões de anos no Planeta. Para que não nos sintamos diminuídos quando tentamos dar às outras espécies, especialmente às que nos estão mais próximas, e que partilham connosco esta imensa Casa, uma vida melhor.
Faz-nos falta um pouco mais de autoestima, um pouco mais de confiança. E combater este absurdo medo de sermos ultrapassados em direitos por outrem.