sábado, 21 de março de 2015

futebol

Há quem pague sonetos com café.
Há quem pague com um belo pontapé.

sujidade


ilustração do texto "Solitária Pride!" no blogue de Heloisa Lupinecci



deixei de lavar os vidros
evito as imagens de extrema claridade
não quero ver o que os meus olhos vêem
prefiro as constelações
das caganitas de mosca nas janelas
aprecio as metáforas para rir
telhados  prestes a rachar
violinos guinchadores
tímpanos a instantes
de ficarem moucos
alegorias de bichas solitárias
no bucho da porca

sexta-feira, 20 de março de 2015

quisto

Concha-fóssil, ilustração de Bruno Escoval


uma teimosia desiste
o amor enrola-se
enquista
adormece


bolha de cápsula dura
imune ao tempo
tempestades
de gelo
fogo e feras


um quisto
de perfeita película
ninguém sente
ninguém vê
não se dissemina

um embrião que sobrevive
esquecido
por vezes vem ao peito
um pontada de ar
uma dor
inexplicável

terça-feira, 17 de março de 2015

coração farejador

Nose drawing number seventeen, Paul Foxton



Duas aurículas surdas
se pudessem conversar
como duas ovelhas no prado
que desatassem a balir
que diriam
duas orelhas de cão
caídas,
moucas,
se ousassem confessar
o frémito
da veia aberta?
Denúncias
do coração farejador,
perdigueiro de parar,
caçador
da solidão sem remédio.

quinta-feira, 12 de março de 2015

QUEM TE AMA NÃO TE AGRIDE

campanha de Alexsandre Palombo contra a violência doméstica


O agressor é um predador.
Caça vítimas com esmero,
artimanhas,
ratoeiras,
paciência.

O amor é o isco.

A vítima deixa.
Cola-se ao corpo
um papel,
escamas de peixe na rede.
Crava-se na carne
um anzol
envenenado de medo.

Pode deixar entrar
uma força fina,
surda,
capaz de cortar aço,
a esperança. 
 
Uma força que salva.
Uma força que mata.
Dependendo
do bote
que tivermos
p'ra lançar.



Pã e Syrinx


Pagaste com mal
o bem
pagaste com mal
o mel
pagaste com sal
o acém
pagaste com vale
o desnível
pagaste com metal
a lã
com fogo letal
a fiel fã
com fome
o amor de Pã
com tua música
a flauta surda
e vã.


quarta-feira, 11 de março de 2015

O passado é a luz das estrelas

Céu estrelado, Luci




olho as estrelas
no céu da noite
como quem vê o passado
eras tu e eu
sem nós
na luz desse dia
indesculpável
como um cordão que se estreita
como um adeus que se estica