Um copo na mão e um vazio na cona. Dez dias à espera dele sem saber quando nos voltaremos a ver.
Na maior parte do tempo está tudo bem, calmíssima, animada, abro uma garrafa de Papa Figos e sirvo num copo elegante de cristal. Tudo cheiroso no reino da Dinamarca mediterrânica do sul. Até que chega aquela meia hora aterradora de voltar à terra, à boa maneira do major Tom, queres voltar ao solo, e estás sem rumo fora de órbita, cada vez mais longe de casa, fora de controlo, socorro. Ninguém para te ouvir. Um universo de silêncio.
Estás há dez dias sem saber quando vais ver o homem. Que homem? Como, que homem? O homem, caralho! O único homem que te interessa de momento, esse homem. Ah, claro, o homem, pois então.
A casa é só caixotes. Caixotes à espera da mudança. A casa é um caos temporário. O meu companheiro está de saída. A solidão em suspenso.
Cozi um polvo para o jantar que ainda é a dois. E penso: quando voltarei a ter pachorra para cozer um polvo só para mim? Que farei então: corto e divido por 5 tupperwares? Não vai valer a pena essa trabalheira toda, mais vale uma caixa de gelado em frente à televisão. Qualquer coisa comprada já feita, uma salada, conservas, uma merda dessas. Polvo cozido: o fim de uma era.
As ratoeiras, para a maioria de nós, são transparentes. Não as conseguimos ver, mesmo que nos entrem pelos olhos dentro as pernas garrotadas, o sangue pisado, as esquírolas, os estragos, a dor. Pensamos que somos livres. Mas estamos agarrados até ao tutano.
O homem, por exemplo, está refém do casamento. Do seu casamento perfeito, da sua relação ideal com a sua mulher de sonho. Depois fica rezando aos deuses que a esposa se ausente em trabalho uns dias, o maior número de dias possível, para que se possa encontrar comigo e ter prazer. Ser feliz, como gosta de dizer. Mas será que é feliz quando se satisfaz comigo na cama? Ou com ela, em camas separados, partilhando as refeições, cada um matutando nos seus problemas, nas suas obsessões, fantasias, melodramas com personagens secundários.
Personagem secundária, eis o que sou, nesta história-cliché. A minha cona ressente-se com a falta de glamour.
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