Andamos nós a pensar a ler e a reflectir sobre como vai ser a nossa vida daqui a uns tempos quando olhamos para o lado e o futuro está metido connosco na cama.
Como é?
Foi assim:
Estava eu naquele limbo quase a entregar-me nos braços de Morfeu quando me sai, boca fora, um pensamento em forma de pergunta. Uma simples frase entoada como interrogação, feita bola de bilhar contra as paredes do quarto vazio. E, para meu espanto, soa alto e em bom som uma voz feminina, da almofada, que responde: Olha, não sei! Se eu soubesse respondia-te!
Do lado vazio da cama, alguém falava comigo e não era gente. Gente não era, certamente. Fui ver: era o telemóvel. Incrédula, com um corcel a querer rebentar o peito, peguei no monstro e liguei à minha filha a saber se o que acontecera era poossível ou estaria a ficar chalupa. Com tantos à solta podia ter apanhado esse virús, à falta de outro.
Era possível, quase normal, disse, a rir. Sem que tivesse feito algo por isso, a tecnologia invadia, à descarada, o descanso do quarto para me dirigir a palavra.
Vamos lá por partes: eu sou toda a favor da inteligência artificial, jamais me lembraria de querer deter o sentido ou a velocidade do progresso. Estou até pacientemente à espera que os carros automáticos tomem as rédeas das minhas deslocações. Não vejo a hora de ir a pintar as unhas para o trabalho, ou assim. Espero que lancem os vários modelos segundo a ética na estrada, o Altruísta e o Egoísta, como dizia o Harari. Quero o Altruísta, já vivi uma vida, se um par de crianças se atravessar à frente do veículo espero que o condutor se desvie, mesmo que eu vá bater com os cornos num muro, há maneiras piores de ir, tudo menos crianças mortas. É mais difícil a coragem do condutor humano do que o sangue frio da máquina (para não abandonarmos a metáfora) pois isto na hora H nunca se sabe o que o instinto nos obriga a fazer.
E a fibra óptica, e o 5G e tal e tal, toda a favor, venham eles e façam tudo mais rápido e melhor. Aposto as minhas fichas em fogões que descasquem as batatas, frigoríficos que nos sirvam café com leite, e deposito as esperanças na carne limpa e barata. A esses mestres da tecnologia superior tiro-lhes o chapéu.
Agora, perante uma questão singela, uma pergunta retórica, daquelas que encerram em si a própria resposta, que mais é um desabafo inócuo que outra coisa, oferecerem-me uma resposta malcriadona, a assunção de ignorância, quase filosofia de alcova, misturada com petulância atrevida, dispenso.
Eu, no meu quarto, exijo às paredes silêncio absoluto.
Mesmo a minha cabeça quero-a o mais tranquilita possível. Já me basta ter de mandar calar a mente no momento de acompanhar o movimento do ar a entrar nas narinas até lá abaixo, aos alvéolos, e depois voltar a sair, coisa que estranhamente alguém designou de meditação...
Nem 10 segundos consigo desta observação sem achar que o meu corpo respira muito melhor que eu, sem que os pensamentos me venham resgatar da tarefa.
Quanto mais se outras vozes me invadirem os aposentos. Vozes bárbaras. Vozes com narizes empinados. Vozes vazias de conteúdo.
A primeira regra que deviam programar no bicho seria: não sabes não opines!
E para os meninos engenheiros que inventaram esta brincadeira nos telemóveis tenho apenas um recado: ide meter o algoritmo no cu.
Sem comentários:
Enviar um comentário