quarta-feira, 31 de julho de 2019

Mestres

Harry Houdini, 1899



A vida é
uma miragem
minha amiga
todos tendemos
a ser mestres
do ilusionismo
uns grandiosos
Houdinis
outros parcos
Copperfieldes
alguns Elizabethes
Savallas enquanto  
partner do Astro
fracassando nos números
telepáticos ou
espremendo o corpo
contra a caixa
na esperança
de escapar à serra
que nos irá cortar
ao meio mais dia
menos dia


quinta-feira, 18 de julho de 2019

O Som e o Barro


Foto de  Francesca Woodman



A tua boca:
uma breve despedida
do mundo

dispo
o meu corpo
de mulher

as sobras:
o som
o barro
a roupa
o invisível

quarta-feira, 17 de julho de 2019

JACQUES O FATALISTA

O 2º Livro escolhido pelo RAP
para o Clube de leitura de Obras de Humor da ECON 



Podíamos dizer que Denis Diderot é um bom contador de histórias. Podíamos mas seria ficar aquém da verdade.  Mais que um contador de histórias, o autor é um zigzagueador de narrativas, de tal modo os vários enredos se vão entrelaçando uns nos outros formando no livro uma delirante tapeçaria de peripécias.
Em Jacques, o Fatalista, consigo identificar trinta e três histórias, umas mais longas, outras mais curtas, que se interrompem para dar origem ora a umas ora a outras, sempre conseguindo prender o leitor a cada página do livro.
São elas:

1- A História da Viagem de Jacques e do seu amo, montados a cavalo, com destino não se sabe bem onde.  Tem praticamente a duração da totalidade do livro.

2- A História dos Amores de Jacques. Também demora todo o livro a ser narrada.

3- A História do Sr. Pondichéry, o mau poeta.

4- A história  do irmão de Jacques, Jean: o carmelita descalço.

5- A história do padre Ange.

6- A história do Sr. Pelletier.

7- A história do capitão de Jacques e do seu amigo/inimigo.

8- A história sobre o Sr. Gousse, o Sr. Prémonval e a menina Pigeon.

9- A história do cavalo do carrasco

10- Outra história do Sr. Gousse, quando este decide trocar a esposa pela criada.

11- A história da Estalajadeira e Nicole, a sua cadela.

12- A história do Pasteleiro traído.

13- A história do compadre do estalajadeiro.

14- A história do Benemérito Extravagante.

15- A história do cão do moleiro, o namorado de Nicole, a cadela da estalajadeira.

16- A história do Marquês dos Arcis e da Senhora de Pommeraye: uma vingança extraordinária com um desenlace surpreendente.

17- A Fábula da Baínha e do Cutelo.

18- A história dos avós de Jacques e da mordaça que lhe impuseram.

19- A história do senhor de Guechy.

20- A zanga entre Jacque e o seu Amo.

21- Jacques e o seu Amo trocam de posições: agora Jacques conduz o Amo.

22- A história do secretário do Marquês dos Arcis, Ricard, e do Padre Hudson.

23- A história da perda da virgindade de Jacques com a menina Justine, a namorada do seu melhor amigo Bigre.

24- A história das aventuras picantes de Jacques com as suas vizinhas casadas, Suzanne e Marguerite.

25- A história da cabaça de Jacques.

26- A história do Amo e do negociante de quinquilharia

27- A história dos amores do Amo com a menina Agathe e a intervenção do cavaleiro de Saint-Ouin.

28- A história da viúva encantadora.

29- O reencontro do cavalo roubado do Amo.

30- A história do "filho" do Amo

31- O final da História de Jacques e Denise, que no fundo é a mesma do ponto 2.

São todas deliciosas mas faço um especial realce para o ponto 16 e 17.

Jacques é um fatalista, seguindo as sábias palavras daquele que tinha sido seu comandante na tropa, acha que tudo está escrito lá em cima, no grande rolo. (Por quem e porquê fica a pairar como mistério último).
 Por isso não vale a pena correr nem para nada por coisa alguma. Não vale a pena rir ou chorar porque nada se desviará do seu destino. E no entanto... ele continua a chorar e a rir e a tomar as suas decisões conforme lhe parece o mais acertado (ou segundo o conselho da sua cabaça). Ser fatalista é um consolo, mas ainda assim um alívio fraquinho, pois nunca sabemos o que está escrito lá em cima. O melhor mesmo é ir contando histórias, construindo narrativas, deixando o discurso fluir nessa pequena grande viagem que é a vida.

Não percam, divirtam-se!




quarta-feira, 10 de julho de 2019

O POETA É UM PARAQUEDISTA

Trabalho de Cocky Eek



Poema é paraquedas
trava o salto
reverso
diário
da Morte
para o
momento



terça-feira, 18 de junho de 2019

mármore


imagem de Zeitguised


mil vezes o sopro
do fósforo que arde
na bifurcação do silêncio
um breve brinde tchim
à geologia das convulsões
mil vezes o sufoco
o cataclismo instantâneo
à travessia do mar morno
ininterrupta e lenta
a bordo da barca
da mulher-mármore

um breve brinde tchim
partir o corpo
contra a lareira
e abraçar a solidão
do depois





sábado, 8 de junho de 2019

O meu Porsche cheira mal

O livro que me arrependo de não ter comprado este ano
na Feira do Livro, mas que ainda vou a tempo de caçar



Estoiro no poema o título
estridente
mais apropriado ao livro
como agora se utiliza
pra atrair a freguesia

nem é totalmente mentira
um polígrafo aplicaria aqui
um impreciso no máximo

há que reciclar as lições de audácia
que as plagiadoras oferecem
aos zelosos direitod'autoristas
esses enconados

já tive um porsche já
em tempos que já lá vão
descapotável arejado
e em segunda mão

Hoje em dia tenho um chaço
mas este meu popó tresanda

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Os décimais

desenho de Eno Henze



entre graus e grifos
grilos figurantes
a face mirrada
do improviso
minudências
ocarinas poças
mal comparadas
nos intervalos
da unidade
entre passos e pernas
débeis dobras
tropeções gaguejantes
hesitações consumadas
esboços esquálidos
tentativas e erros
baque boléu bóia
Eros paralítico
lições acidentais
de teologia
chumbo raso
na tergiversação
pequena medida
de momentos falhados
nomes caídos abaixo
na escala
do esquecimento