sábado, 11 de março de 2017

Senhor Carlos





O Sr. Carlos não se chama Sr. Carlos. Na verdade não sei o seu nome. Um dia ouvi-o tratar por  Carlos alguém que tem outro nome, apenas por familiaridade, ou quem sabe, por gostar muito do nome. Ficou a ser, para mim, o Sr. Carlos, porque não? Afinal também gosto de baptizar as pessoas.


O Sr. Carlos gosta de falar com os passageiros da camioneta entre Lisboa e Carnaxide ou no percurso inverso. Aprecia ainda mais o diálogo com os motoristas a quem trata com respeito e admiração. Desses acredito que saiba até o nome verdadeiro. Um dia assisti a uma conversa com o Sr. Simão, o condutor. O homem desejou-lhe um feliz aniversário e obteve como resposta:

"Obrigado, Sr. Simão, muito obrigado. Na verdade eu só faço anos amanhã. Dizem que dá azar dar os parabéns adiantados mas eu não vejo as coisas dessa maneira. Afinal, se não me desse agora os parabéns não mos podia dar, pois amanhã não venho. E além de que isso são crendices. Ora quando uma pessoa deseja boa viagem a outra também é sempre antes e não há azar por causa disso, não é verdade, Sr. Simão? Por isso olhe muito obrigo pelos parabéns, fez muito bem."

E a partir daqui a conversa desenrolou-se à volta da temática dos santos e das procissões das paróquias que servem a freguesia de Carnaxide-Queijas. Foi um subir e descer de ruas e ruelas atrás dos variados andores, sempre culminando na expressão "e foi muito lindo, muito bonito". Até que o Sr. Carlos pergunta ao Sr. Simão, talvez um pouco perplexo com o seu silêncio, se era seu costume frequentar a Igreja. Ao que este responde que não, nem por isso. E vai o Sr. Carlos:
"Pois, então é como eu, Sr. Simão, eu também não ligo muito."

Eu, no meu lugar à janela, passei o resto da viagem lamentando não terem levado o sr. Carlos como braço direito do António Guterres, lá para q ONU, ou no mínimo para uma embaixada de um país qualquer, seria uma mais valia, certamente.  Sendo assim, foi uma brilhante carreira diplomática que se trocou por outra de curto percurso  entre uns simpáticos arrabaldes e o centro da capital portuguesa. É a vida, como diria o Senhor outro.

pescador

Bathing Man, Edvard Munch, 1918


fecho eclair
abrindo
sai
rio abaixo
o isco pendente
esperando passivo
pensando
gente

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Um piano no peito


A strongwoman balances a piano and pianist on her chest 1920


um piano parado
no peito
temporário
estacionamento obrigatório
no vai-vem da respiração

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Aranha

Spiderwoman, Milo Manara/Marvel



quando os nervos
mais que fios
linhas
finos traços
são teias
de letras
novelo
de palavras
espécie de caldo
tornado
sopa de esperança
na captura
do poeta

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Poema Mau




é
qualquer coisa
que sobe e
viaja de madrugada
das profundezas
do ser
uma luz veloz

como uma seta cega
e lança
uma mancha sanguínea
na rua da pele de todas as flores
uma marca d' água
em carne húmida
um destroço

e ainda está por provar
se é batom ou bala
descanso o teu caso

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

licor beirão

um rosário de orações
rezado em vão
e ainda aqui estou
boiando num mar
de licor beirão

quarta-feira, 2 de novembro de 2016