A VIRGINDADE DO MUNDO
I
com a suavidade de um pónei
tendão a tendão
as pessoas devoram-se
os corpos são sementes profundas
na surpresa de conquistar espaço ao espaço
o amor tem ouvido interno
alibi invertido: retrovisor de uma história perdida
um pássaro a sobrevoar o verão
é uma única bala dividida pelos dois
arma que dispara para dentro
mar de escombros
anunciação
II
Sem linguagem haveria infinito
a solidão das cidades segreda à maneira das cegonhas:
os animais suicidam-se?
na morte deseja-se possuir uma resistência contra o nada
enfrentar o calafrio
morrer é uma abstração
talvez a mais pura
III
O teu olhar esvoaçou como os pássaros em estado de murmuração
abre-se como uma flor noturna
uma Islândia solar
uma floresta do outro lado da janela
em ascensão
a queda do outro lado do tempo
uma manhã de areia muito grossa
serpenteia as primeiras casas com fachada para o mar
a curva de ventos regulares
traz à pele a textura do momento
o sabor do sal
a grandeza da nuvem
a cegueira do grande estuário
a plaina adormecida
reconhecer-se sem eclusas e sem gramática
é uma véspera feita de ouro puro
IV
ter amado é conhecer duas mãos
um simples gesto
a exclusividade de uma memória
sobreviver a um amor perdido
à dissecação do amor
é pairar numa cidade que se evapora