China Girl, David Bowie |
Mal
tinha entrado na puberdade quando me apaixonei por um rapaz de traços
orientais. Não me lembro do nome dele pois todos o tratávamos pela
alcunha. Era o China, simplesmente. Repetente inveterado, era
já um homem feito e eu estava longe de ser do tipo de miúdas que
lhe despertasse a atenção. Ainda assim, não se encontrava
desprovido de empatia, e como eu andasse sempre feita
cachorrinho à sua beira, volta e meia dedicava-me dois dedos de
conversa.
Um
dia, com as aulas já terminadas, nas férias grandes, sem nada de
melhor para fazer senão suspirar de paixão frustrada, resolvi
escrever-lhe uma longa declaração de amor. Tive artes de lhe fazer
chegar a carta em mãos, por intermédio de um amigo comum. China marcou um encontro. Nem sei
bem como consegui sobreviver à ansiedade daquele téte-a-téte. Só
me ficou uma frase da memorável reunião: "pena não teres dito
mais cedo... não és bonita mas também não és feia".
Depois
disto não tenho mais memórias a declarar sobre o "romance"
gorado, a não ser uma montanha russa emocional solitária que durou
meses, na qual oscilei entre as deleitosas subidas proporcionadas pelo
"mas também não és feia" e as abruptas descidas sugeridas pelo "não és bonita".
Anos
mais tarde, já estava o moçoilo serenamente arrumado numa gaveta do
sótão do meu esquecimento, encontrei-o no autocarro da Vimeca. Era
neste ponto da minha história uma jovem mulher, com plena
consciência dos meus atributos físicos.
Cumprimentámo-nos.
E o que recebi como mensagem silenciosa, pelo modo minucioso como me
observou de cima a baixo, foi que tinha aprendido a clássica lição
dos patinhos quase feios.
Na
despedida reparei nos incisivos superiores cariados e dei graças a
Deus por ter tido um desabrochar serôdio. Não fosse essa bênção
estaria, talvez, na altura, a mandar, com justa causa, às malvas o
mancebo.
Apesar
deste dissuasor epílogo continuei sempre a encontrar uma certa graça
atractiva nos homens asiáticos. Provenho de uma família de gente
muito teimosa.