terça-feira, 30 de maio de 2017

o tempo é bala

René, Magritte- o Filho do Homem,
versão de Sylvain Coissard e Alexis Lemoine







o tempo é bala
o tempo embala
no início vai-se
num baloiço
mais tarde
o tempo ameaça
e logo de cabeça
aterramos fundo
no chão
o tempo mata

segunda-feira, 29 de maio de 2017

uma ideia de ti



David, Bernini


fico-me pela ideia de ti
sem pesquisa ou reportagem
mera conjectura imaginária
um traço no céu
sem remexer nas catacumbas
desse teu sotão
não venho para fazer o bem
mas para beneficiar
acredito na bondade da inércia
evitar distúrbios e perpetuar
o movimento ou o repouso
o que está
é o que tem de ser
esta ideia de ti
permite o respeito
do teu ritmo
és um rochedo
mais do que pedra enrijecida
um portentoso esconderijo
condeno-te a essa 
estatuária categoria

capitulando

Capitulando, capitulando, estamos todos na mesma situação, capitulando, capitulando sem querer capitular.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Gigi, o profissional do golo


Shadow Man


Dá gosto mirar a figura
a correr o campo,
p'ra cá e p'ra lá,
toda uma azáfama
coreografada
de afincados pormenores,
primorosas fintas,
articuldas e estratégicos
desarmes,
o esplendor na relva.
No perfeito domínio
da técnica seria mentira
prometer falhar
o lance quando
a baliza vai aberta.
Quem de tal maneira
golo marca
não é gaio,
é mais gajo que deseja
passar por galã
e quase passa
tal é a íntima qualidade
do profissional.
Deve ser bem pago.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

O mundo é nosso



O mundo, farto de paz,
começou com uma explosão
e fez-se implacável.

O Sol fez-se
para arder e devorar.

O predador fez-se para cobrar
as presas
com a força de entrar na carne
e quebrar os ossos.

Tu obedeces à lei do mundo
cumprindo essa prisão
libertadora,
a biológica missão
que carregas
no ventre.

Não será por tua vontade
que se dissolverá
a vantagem do mais
forte.

Ah, a ilusão doce
de que o mundo é nosso.

chuvinha da boa

chove a tua língua
na fonte
da minha sede
trava fome
seminal
até ao dilúvio
terminal

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Palavra Voadora Não Identificada




O ventre estacionado no convés
e eu montada na tua sela
ou tu na minha,
confundidos os cavalos que éramos nós.

A palavra luminosa,
um néon pendendo ao alto.

A minha mão tateando os teus rochedos,
o pensamento preso na decifração da imagem.

A palavra fintando-me a leitura

e eu subindo a colina do teu peito.
Procuro uma resposta no livro
que mostravas nos olhos mas
só lá está agora o branco.

A palavra sinuosa
submergindo na pele.

No centro do leito dois corpos
vão rasgar um mar ao meio
num minúsculo milagre precário
e logo serão subtraídos
ao silêncio,
espuma das sobras
na voragem da maré.

Da palavra nem sombras.