segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Ó Artista
Ó artista, cheire ou não cheire
esse teu sorriso a esturro
vais tu, agora, ouvir-me,
que a verdade também é murro.
Se a mulher é como um livro
é preciso ser bem javardo
p'ra estraga-lo na leitura
a quem o faça: clausura!
Esses livros não têm dono,
sabe o homem decente,
não os há em segunda mão,
são livres, independentes.
Tocas a guitarra, cantas,
p'ra mim soa a carrilhão,
as palmas que me mereces
é barulho de uma só mão.
Ao teu miserando canto
batipzaste de sinfonia.
Quem te disse provinciano
errou, é tudo misoginia.
Tens um contrato com o vento
para não te deixar prender.
Também ele quando violento
é incapaz de se arrepender.
Por último dou-te um adágio,
faz com ele o que quiseres:
mais vale um homem ser maricas
do que agressor de mulheres.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
revisitar o passado em...
uma memória sombria
como um campo minado
e eu com medo
de avançar a perna
de tropeçar em raízes
bolbos e bombas
enquistadas no tempo
para quê remexer a terra
e desenterrar os mortos
mesmo que os mortos estejam na moda
não passam de pesos
sem préstimo
regressar ao passado
é sempre perigo de vida
e eu com medo
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
Pastéis de Belém
(qualquer semelhança com a letra de uma canção conhecida é pura blá blá blá...)
cheguei ao fundo da rua
com a cabeça na lua
não sei onde estacionei
é tão parda a Alemanha
a gulodice tamanha
e o almoço nunca mais vem
quero ir para a mesa
comer com a burguesa
uma salsicha na brasa
que a morte há-de ser certa
quero voltar
a lanchar nos Pastéis de Belém
quero voltar
a lanchar nos Pastéis de Belém
fiz um pouco de cera
que a preguiça é severa
voam pombas
de cansaço animal
fiz vinte anos de luta
na Holanda há tanta puta
festejei
com uma fenomenal
quero ir para a mesa
comer com a burguesa
uma salsicha na brasa
que a morte há-de ser certa
quero voltar
a lanchar nos Pastéis de Belém
quero voltar
a lanchar nos Pastéis de Belém
vim mais rápido que o vento
corrido lá do Convento
andava enrolado com a Madre
Paris está cheio de avecs
Lisboa cheia de queques
e em geral o mundo arde
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
mofo
se o poema a rimar é mofo
se o que escrevo revela a idade
mais depressa estico a pele
num cirurgião maneta
que deturpo e manipulo
o que me sai da caneta
domingo, 7 de fevereiro de 2016
A mulher do Oráculo de Delfos
Ele chegou a casa atrasado,
cansado de tanto trabalho,
tanta adivinhação,
problemas,
enigmas.
Encontrou com surpresa,
o quarto fechado
e na porta um papel:
AQUECE-TE A TI MESMO.
sábado, 6 de fevereiro de 2016
Fantasma ao quadrado
já esqueci o teu perfume
não me lembro do discurso
baixei da voz o volume
fugiu-me da ideia o verso
já vai turvo o teu sorriso
do olhar perdeu-se o espanto
da eloquência ao improviso
tudo se abafa na memória
já não oiço a gargalhada
anulei a tal gentileza
apaguei essa coisa sonhada
o teu olhar de dúvida e tristeza
o fantasma de um fantasma
uma sombra que esmorece
a teima que não entusiasma
uma história que desaparece
mas se isto é o fim do caminho
se tudo acaba, mesmo a poesia
porque não arranco este espinho
e vou remoendo esta amnésia?
a liberdade possível
albarda-se o burro
à vontade do burro
burro albardado
tem mais encanto
mais tino
não se olha o canino
não se olha o pepino
não se olha o focinho
albarda-se de pequenino
ou amocha sozinho
sem dono
um burro às barrigas
obedece
que as há
para todos os gostos
não se discutem
nem os bons
nem os maus
e até há quem diga
que o burro sou eu
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