quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Valete de Paus ou Espingarda? (isto de não ser amado é fodido)

Valete



O verdadeiro artista faz o que quer, escreve o que lhe vem à cabeça, inventa o que a sua liberdade oferece.
Estamos todos de acordo: não há machado que corte a raiz ao pensamento, como dizia Carlos de Oliveira.
O pensamento liberta mas também pode prender. Todos construimos as nossas prisões, as nossa fugas, as nossas viagens. Somos feitos de água e ferro. Deslizamos e vamos ao fundo. Dizemos coisas.

No meio da polémica "Valete versus Feministas" senti necessidade de analisar a letra da obra de que tanto se fala.. A que ele nega ter mensagem para depois vir a admitir que a dita só se revelará no fim de uma trilogia de músicas.

A liberdade passa regularmente por aqui. E hoje vamos dedicar a nossa atenção à letra do BFF de Valete.


Foda-se a sério mano?
Não te ia mentir, mano!
Foda-se!
Ya, não te ia mentir
'Tá-se bem, eu vou ver isso! Tchau ai mano
Ya Tchau



Vê-se claramente que são dois estudantes de filosofia a falar (o videoclip esclarece que a conversa é telefónica o que prova que são alunos aplicados, até à distância se dedicam à matéria)
Discutem Kant, obviamente.
No meio do seu elaborado sistema metafísico Kant "perdeu" algum tempo a discutir sobre o valor da “mentira por propósitos altruístas”:

“Imagine que esconde um amigo inocente na sua cave. Vem um assassino à sua procura para o matar. Pergunta por ele. Deve mentir para o salvar?”
A situação inventada por Kant era esta e a resposta dele é “Não”.
Argumenta que, mentindo, o assassino iria embora, continuando a sua busca e, entretanto, o amigo sentindo-se em perigo teria fugido pelas traseiras e inevitavelmente eles iriam dar de caras um com o outro. Parece estúpido e várias pessoas sérias conjeturaram que o senhor nesta altura do campeonato estaria já com Alzheimer.
Mas, depois de bem meditarem, outras pessoas concluíram de modo diferente. Ou seja, o que Kant descobriu (sem ouvir Rap nem ter saído de uma pequena cidade da Prússia toda a vida) foi que o poder que temos sobre as consequências das nossas ações é muito pequeno. Não controlamos nada do que acontece. Por isso mais vale cumprir as regras. E dizer a verdade.

Portanto é isto que o estudante faz ao telefone: diz a verdade ao amigo na esperança que tudo corra pelo melhor. Mentindo talvez o desfecho tivesse sido bem mais trágico. Mas não quero dar spoilers...



Com o coração golpeado gravemente
Ansiosamente ele põe a chave na fechadura
Roda a chave para a esquerda ele roda suavemente
Abre a porta e vê a casa toda escura
Do quarto ouve um som que parece Jovanotti
Nah, afinal é Luciano Pavarotti




Aqui nitidamente começa a mensagem de preocupação social implícita na obra musical. Trata-se um homem com claros problemas auditivos. Ele confunde Pavarotti, um cantor de Ópera com Jovanotti, um cantor pop e de rap. São ambos italianos e isto prova que a personagem desta história está a usar um aparelho auditivo. Valete a chamar a atenção do público para este flagelo que é a venda agressiva, e sem regras, destes aparelhos sem um correto diagnóstico dirigido à patologia de cada um. Isto tem levado a um aumento exponencial de queixas como dizia um senhor da DECO que eu vinha a ouvir na Rádio no caminho para aqui. E estão a ver as consequências, baralhar Pavarotti com Jovanotti não lembra nem ao diabo.

Por isso, malta, não façam mau figurino: para melhor ouvir Valete  escutem o vosso otorrino.



Para não fazer barulho ele anda bem ligeiro
Sorrateiro enquanto anda assenta o calcanhar primeiro
Tem a caçadeira no armário do escritório



Muito bem: a caçadeira está no armário no escritório, fechada, para segurança da família, segundo as regras da lei da caça. É muito importante esta medida para evitar acidentes envolvendo crianças, seres ingénuos, que tomam as armas por meros brinquedos, podendo aleijar-se a sério. Ninguém quer essas tragédias.


Instinto predatório para mandá-los para o crematório

Preocupação ambiental explícita. A cremação é o processo de transformação do corpo sem contaminação de agentes patogénicos nem resíduos sólidos ou líquidos, só se liberta cálcio e potássio.
Ainda por cima há um problema de falta de espaço nos cemitérios: Valete bem.


Pega na arma com uma postura insegura
E a tremer empurra para a direita a patilha de abertura



Mensagem política: virar à Direita é perigoso e mete medo.



Bem insano ele vai entrar sem plano
Um cartuxo em cada cano e cerra o semblante
Puxa a patilha e pensa no amigo de infância
A seguir engatilha a arma para a trilha de vingança
Faceta de louco põe a mão na maçaneta
Ele quer matá-los e fazê-los apodrecer numa sarjeta
Revolta macabra ele quer ver a cabra morta
É a reviravolta, respira fundo ele abre a porta



Crítica à política de detenção de armas nos EUA onde até os loucos podem possuir armas e daí o absurdo número de massacres de pessoas.




Uma vida radicada numa entrega tresloucada
Uma vida debitada, dedicada a ti
O esforço que fiz para teres a vida acautelada
Porque trabalho como um escravo para que não te falte nada

Senti-te estranha, senti o clima alterado
Eu devia ter calculado que era tudo falseado
Relação já não tinha chama
Mas nunca pensei que acabasses com essa doninha na minha cama
Forreta, era o que ouvia nas tuas bocas
Quando fui eu que comprei as tuas joias, as tuas roupas



Atentai bem nestes versos, jovens, que neles reside um grande ensinamento de Valete: o amor e a lealdade não correspondem a qualquer valor pecuniário.

Precisam que esmiúce mais um pouco esta noção?
Amor e lealdade não se compram. Não se compra uma pessoa. Portanto não se pode vir depois cobrar o carcanhol investido quando as coisas dão para o torto.
Aliás, já vai sendo tempo de os moçoilos perceberem que não têm de sustentar as mulheres, elas bastam-se a si próprias, o mundo do trabalho já não lhe está vedado como nos tempos de antanho.
Portanto, jovem: entre uma rapariguinha do shopping bem vestida e petulante e uma moça que tem de manter dois empregos para sustentar os filhos do casamento anterior escolhe a segunda, porque ela nem tempo vai ter para ti quanto mais para o teu melhor amigo.

E para as garinas: não têm de servir para serem servidas. Vocês bastam-se a si próprias. Estar na dependência financeira de um homem é uma perda de autonomia limitante que nos dias de hoje não faz sentido, nem sequer é vantajoso. Libertem-se da educação machista que tiveram.

Acabo de ler um clássico da literatura, do Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde esta problemática é desenvolvida quando ele nos conta a primeira paixão da personagem, ainda muito jovem e ingénuo: a bela Marcela. Uma moça que tudo fazia em troca de joias caras. Só muito mais tarde o incauto apaixonado se dá conta que era a cobiça e não o amor que movia a donzela.

Por isso, amigos, leiam os clássicos, releiam-nos, ou então atentem no que diz Valete.




Puta, cona alargada, pura insana
Encharcada de moralismo sempre armada em puritana
Agora vais sentir a sequela
Com a caçadeira enfiada na tua goela
A bala a perfurar a traqueia



Outra dica importante de Valete para os adolescentes: não comparem pilinhas uns com os outros. São brincadeiras que parecem inconsequentes: ai e tal, deixa cá medir a tua e a minha, a ver quem tem maior e assim, mas depois aquilo fica a germinar na cabecinha, na de cima, bem entendido: o nosso melhor amigo é mais abonado que nós. Vai daí um dia acreditamos que a cona da nossa namorada fica alargada só porque levou com um mangalho maior que o nosso, e não fica, que o criador fez o músculo vaginal com uma elasticidade a toda a prova e de modos que ser grosso ou fino, ser curto ou comprido o efeito no feminil saguão é o mesmo.



E o teu corpo como plateia enquanto a morte fraseia:



Bela metáfora, ironias à parte.



Nós éramos únicos, os últimos moicanos
Melhores amigos desde os 8 anos
Éramos os putos das trapaças e chalaças e toda gente
Com graça chamava-nos de comparsas
Laço alquímico, sentimento mítico
Dei-te amor bíblico tu eras só um cínico




Amor bíblico é um sinónimo de sexo e assim estamos perante um momento Brokeback Mountain o que só prova que a homofobia não está a passar por aqui. Valente bem.




Lembras-te do nosso pacto de sangue
Se fosse preciso era morrer um pelo outro como num gangue
Para a minha mãe eras como eu, deu-te o me'mo trato
Sangrámos juntos, comemos do me'mo prato
Quem diria que iria ver-te com essa fingida
Quem diria que seria o teu melhor amigo a tirar-te a vida
Vosso casamento no inferno é o que eu prevejo
Puta, dá-lhe um beijo e pede um último desejo
Vê a gruta do abismo na viagem conjunta
E a bruta pena capital, o karma da vossa conduta




Momento "abaixo a xenofobia": se na Arábia Saudita o adultério é crime e aqui em Portugal, na mente de muito boa gente, também deveria ser, é porque somos todos irmãos, não?

Falemos então de Monogamia.
O Valete tem uma música cujo título é: Monogamia. Fala de uma relação que o Valete tem com a Liberdade. Em oposição à Liberdade existe a Religião. E o nosso artista é um fundamentalista desta Monogamia: não troca a Liberdade pela Religião nem para dar uma escapadelazinha sequer. E tem toda a razão. Haverá melhor Monogamia?

Desconfio que a protagonista feminina do BBF é uma fã incondicional do Valete. Somos todos, não é verdade?


Tiago- “Uhn Uhn”
Ana- “Ei então o que é que foi?”
Tiago - “Foda-se, pesadelo do caralho!”
Ana - “Estás todo suado!”
Tiago - “Foda-se!”
Ana- “Vai Tomar um banho!”
Tiago- “Ya!”



Momento de defesa da saúde pública: o suor é um meio ideal para a multiplicação de bactérias. Tomar banho dá saúde e faz crescer.


Esta é a minha interpretação do texto do artista. Se ele não gostar tenho outras. (nah, estava a brincar.)



























Sem comentários:

Enviar um comentário