quinta-feira, 30 de abril de 2015

meu Godot



Vou viver à espera do Godot.
Pelo menos enquanto ele não fizer dietat.

caminho

Não é a rudeza das pedras que me mostra o caminho. Ainda que sangrem os pés a escolha há-de ser minha.

erros do corpo


Jovem defendendo-se de Eros, William-Adolphe Bouguereau

quando o sangue
sem razão
disseminado
coagula em toda  parte

quando o sangue
se estreita num fio
até morrer
o rim

quando um circuito
viciado
condiciona a convulsão
um pulmão incendiado

tanto desejo
involuntário
tanto engano
e mágoa
tanto nervo
queimado

quando me lembro
do que de facto
não aconteceu
o que a boca não viu
o corpo não viveu

sábado, 25 de abril de 2015

SPEAK LOW

Phoenix





Nelly Lenz é uma cantora em Berlim e o marido é alemão. Nelly Lenz é judia e o marido não.

E vai daí o drama desenrola-se. Ela é denunciada aos nazis e vai parar a um Campo de Concentração. Quando acaba a guerra está num hospital a recuperar de uma cirurgia plástica reconstrutiva pois ficara sem rosto. Por milagre sobrevivera a uma tiro que a deixara como morta entre uma pilha de cadáveres.
Phoenix é um filme sobre identidade. Nelly luta para recuperar a identidade perdida. Quando o médico lhe pede para escolher entre os vários modelos de cara possíveis ela responde que quer ficar exactamente igual ao que era antes. E o cirurgião diz-lhe que isso é precisamente o mais difícil.
Nelly recupera agora em casa de uma amiga que a salvou. Quer que partam as duas para Israel. Mas Nelly quer encontrar o marido, quer recuperar a Nelly do passado, a única que reconhece.
E encontra Johnny que não a reconhece mas percebe que ela é parecida com a sua falecida mulher. Tenta usa-la para recuperar a fortuna que Nelly tem a receber de herança.
Nelly aproveita para aprender através das instruções do próprio marido, que a dirige como uma actriz, a ser ela própria novamente. Aprende a andar, a falar, a escrever, a vestir-se, a maquilhar-se.
E vai descobrindo, desconfiando da traição do marido. Teria sido ele a denuncia-la aos nazis. Talvez involuntariamente, diz ela...
O ponto alto do filme é a cena final. E percebemos que este não é um filme de vingança. Também não é um filme de perdão. Há uma outra via. A via que Nelly escolhe. Vale a pena ver e ouvir. A música também brilha neste filme.

Esta é  música de Nelly:

"Speak Low"


Speak low when you speak, love
Our summer day withers away too soon, too soon
Speak low when you speak, love
Our moment is swift, like ships adrift, we're swept apart, too soon

Speak low, darling, speak low
Love is a spark, lost in the dark too soon, too soon
I feel wherever I go
That tomorrow is near, tomorrow is here and always too soon

Time is so old and love so brief
Love is pure gold and time a thief

We're late, darling, we're late
The curtain descends, everything ends too soon, too soon
I wait, darling, I wait
Will you speak low to me, speak love to me and soon

Time is so old and love so brief
Love is pure gold and time a thief

We're late, darling, we're late
The curtain descends, everything ends too soon, too soon
I wait, darling, I wait
Will you speak low to me, speak love to me and soon
Speak low


 Kurt Weill / Ogden Nash (1943)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Canção para a Romana

(e uma homenagem ao Tony de Matos)


SOU ROMANA

só quando queres um favor
é que me chamas amor
sou Romana
toda a vida fui Romana

não quero ser amada
só na cama
sou Romana

só quando estás com calor
é que me chamas amor
sou Romana
toda a vida fui Romana

não quero ser turbinada
como a Malhoa Ana
sou Romana

e se quiseres conquistar-me
prender-me
encantar-me
levantar-me o pezinho do chão

só tens que fazer o que eu quero
e ser sincero

só quando tens uma dor
é que me chamas doutora
sou Romana
toda a vida fui Romana

eu quero o teu coração
mas não sou cardiologista

sou Romana
se quiseres até canto o Fado
mas não sou fadista

(também fiz a música, mas como não sei escrever pautas, Romana, filha, dá-me uma apitadela para o telemóvel que eu cantarolo)

terça-feira, 21 de abril de 2015

acorda narciso

Eco e Narciso, Waterhouse



acorda narciso
a corda que tens
ao pescoço
não são pérolas
brancas noivas
prendas
aos olhos pretos
de javali esbaforido
acorda narciso
palmadinhas nas faces
nós dos dedos
em círculo
sobre as pálpebras
tenta outra vez
mais força
limpa a vista
deixa entrar a luz
és vesgo
não vês?
um desejo finge
ser de carne e osso
esquece por momentos
a palavra desejo
repete alto
a palavra fingir
é fugir
mas não te assustes
não te apresses
quem gostar de ti
há-de cegar
não vai ver
o estivador
na vitrine



segunda-feira, 20 de abril de 2015

domingo, 19 de abril de 2015

Fabricadores de Narcisos



Rei Sol, Rafael dos Santos

Aqueles que dizem que se amam em primeiro lugar, antes de toda e qualquer pessoa, são uma fraude. São narcisos forjados, narcisos à força e por isso fecham os olhos para não verem quem são.


Ninguém pode estar assim tão apaixonado por si mesmo. Simplesmente não é possível ter esse grau de inebriamento sobre a nossa pessoa. Porque é impossível afastar completamente um olhar lúcido acerca da personalidade que nos calhou em sorte.
Cada ser humano é um poço de defeitos. O poço do qual conhecemos de ginjeira toda a gota de lama e lodo, todo o tosco calhau, toda a imundice.


A máxima de Sócrates "conhece-te a ti mesmo" poderia ser "pára de fingir que não te conheces!"


Para nos amarmos assim tão apaixonadamente teríamos de cair na ilusão de sermos um poço tapado. O que é simplesmente mentira. Um poço de defeitos pode diminuir mas não pode ser completamente drenado.
Quem se ama a si mesmo como um deus caiu numa ilusão monumental. Ou numa fraude. Provavelmente perpetrada por si mesmo. Mas possivelmente, com todo esse mercado de auto-ajuda a celebrar o narcisismo, com um empurrão de outrem.
Quem souber olhar para dentro de si mesmo, quem se conhecer, sabe que não pode amar-se acima de qualquer pessoa. Porque nunca conhecemos os defeitos dos outros tão bem como os nossos. Logo vamos sempre ser confrontados com pessoas melhor que nós. Ou que, pelo menos aos nossos olhos, parecerão melhores que nós. E isso não tem mal nenhum.
Tentemos então, (isso deviam ensinar os fabricadores de narcisos), apesar dos defeitos, apesar desse olhar lúcido e implacável sobre quem somos, ser o nosso principal aliado. 
Assumir tudo o que de mau carregamos na bagagem e, ainda assim, estar de pedra e cal ao nosso lado. Não é passar paninhos quentes quando erramos. Antes pelo contrário, temos de esmiuçar as falhas. Para melhorar.

É preciso aceitar quem somos, como somos. Ter a coragem de perceber que não somos grande espingarda. 









quinta-feira, 16 de abril de 2015

espaço publicitário





da língua
ao pudim

livro
ave
vilão
funcionário

todos
Mandarim

porque sim

João Carlos

"Estava um olival em flor.
Veio uma rabanada de vento,
encheu um mar de palha."

Era capaz de estar às meias horas inteiras a rir desta história em dias consecutivos.
Era o melhor amigo do meu irmão no Ribatejo.

Mitocôndria

vem da mãe
o pulmão
da célula

segunda-feira, 13 de abril de 2015

livro-faca


bookknife


O livro cortou-me
a carne
o sangue
livre nas páginas
em espasmos
do escape de veias
abertas
aterrorizando
um população inteira
de personagens
era o tétano

Banalidades


Anthony Murphy, 1999


Espetei um espinho
no joelho:
vi estrelas.

Queimei o tacho
esquecido ao lume:
chorei a tossir.

O espartilho era o fotoshop das antigas.

domingo, 12 de abril de 2015

Natural in Verso



Natural in Verso é uma antologia de poesia organizada pelos Professores Margarida Vale de Gato e José Duarte, sob o tema creative/writing/nature writing e no âmbito da Conferência Internacional Naturally Emerson que irá decorrer entre 16 e 18 de Abril na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Tive o privilégio de ser convidada a submeter alguns poemas meus para a antologia e dois foram escolhidos.

O lançamento de Natural in Verso será dia 17, na Biblioteca da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, às 18h30, com leitura de alguns dos poemas dos autores (presentes e ausentes).

sexta-feira, 10 de abril de 2015