Egon Schiele foi um pintor que viveu no início do século XX
em Viena.
A personagem é fascinante. A sua história de vida daria um
filme.
Egon era proveniente de uma família burguesa que vivia em Ulln,
junto ao Danúbio. O seu avô paterno era artista, arquitecto e engenheiro dos
caminhos-de-ferro. Estas características saltaram uma geração e passaram para o
neto. Cresceu a ver chegar e partir os
comboios e tendo acesso a um passe gratuito. Como filho de funcionário, viajava
com a sua irmã sempre que podia. Com dezasseis anos desenhou comboios com
exactidão técnica em quadros que transmitem o seu desejo de evasão.
A vida não era fácil para o jovem Egon. O pai sofria de
demência causada pela fase terminal da Sífilis. Os ataques de fúria eram
constantes e tinha visões que obrigavam a colocar um prato extra à mesa para
uma visita que só ele via. Morreu quando o filho tinha apenas 15 anos. O tio,
casado com a irmã do pai, passou a ser o tutor de Schiele.
Em 1906 Egon foi aceite na Academia de Viena. A mesma Academia
que uns anos mais tarde reprovou Adolf Hitler no exame de admissão.
Egon depressa se incompatibilizou com o seu tutor e com o
ultraconservador professor de pintura que irritado um dia lhe disse: “o diabo
cuspiu-o a si para a minha escola”. Deve ter sido a única frase que lhe ficou
para a posteridade. O professor Christian Griepenkerl apenas é mencionado como
professor de Egon Schiele.
Em 1907 conheceu Gustav Klimt que reconheceu o talento do
jovem com apenas dezassete anos, e o promoveu sem invejas. Seria o seu mestre e
admirado como um pai.
Em 1909 abandonou a Academia e formou com alguns colegas o “Grupo
para a Nova Arte”.
Apesar de ter origens tão burguesas quanto os seus colegas e
mestre, Egon havia se rebelado
contra esse mundo. Passava por isso
dificuldades. A roupa que usava era larga demais, o chapéu tinha de ser forrado
por dentro com jornais para lhe assentar na cabeça e os sapatos eram tão grandes
que só conseguia andar arrastando os pés. A sua natureza permanecia apaixonada
e inabalável. Acreditava em si. Narcisista, estudava o seu corpo em frente a um
grande espelho e pintou mais de cem auto-retratos. Descobria o seu corpo. Explorava o seu
prazer. Tal como Freud, algures na mesma cidade, ao mesmo tempo, Egon dedicava-se
ao estudo do sexo. Depressa se demarcou do estilo de superficíe ornamental de
Klint para um estilo mais expressivo.
Em simultâneo, Egon descobria e desbravava o corpo feminino.
Começou por pintar meninas das classes baixas, por serem modelos mais baratos.
E também mandava fazer bonecas de pano a costureiras o que ainda lhe custaria
menos dinheiro. Era o corpo que lhe interessava. Visto de cima. Como se fosse
um pássaro. Uma ave de rapina que se apodera da sua presa. Era assim que queria
observar tudo. Até as cidades que pintava. Subia às colinas e obtinha a sua
visão lá do alto. No seu quarto usava um escadote.
Egon aderiu ao Expressionismo. São expressionistas os vários
movimentos de vanguarda no fim do sec. XIX e início do séc. XX que estavam
interessados na interiorização da criação artística em detrimento da sua exteriorização,
projectando na obra de arte uma reflexão individual sempre subjectiva. O
Expressionismo contrapõe-se assim ao Realismo.
Pintava as mulheres-meninas nuas como ele as via. Realçava a
vulva e as mãos que eram sempre demasiado grandes e ossudas. Procurou temas
considerados inapropriados e pornográficos para a época, como a masturbação
feminina e masculina, a homossexualidade feminina, o sexo entre membros do
clero, a anatomia feminina explicita. Recusou a censura.
Foi preso, claro está. Acusado de ter sequestrado uma menor
que lhe servira de modelo. Vivia em concubinato com uma mulher de dezassete
anos que lhe era profundamente devotada: Wally. Egon e Wally tiveram a ingénua
ideia de se mudarem para uma pequena aldeola onde recebiam em sua casa lolitas
que serviam de modelos ao pintor. Foi um escândalo. Acabaram expulsos.
Durante o julgamento ficou provado que a acusação de
sequestro era falsa mas durante as buscas a sua casa foram encontrados desenhos
considerados obscenos. Durante a leitura da sentença o juiz queimou uma tela de
Egon. O pássaro foi para a gaiola. Quinze dias de pena. Aproveitados para
pintar e escrever poemas. “Aprisionar o artista é cometer um crime, significa
matar a vida no ovo!”
Em 1915 dá-se uma reviravolta na sua vida: casa-se. Mas não
com Wally que considerou inferior à sua classe social. Talvez por cansaço de tanta
privação, talvez por um apelo às origens burguesas ou mero calculismo procura
uma rapariga de boas famílias: Edith.
Tentou no entanto fazer um acordo (sob a forma de contrato
escrito!) com Wally: fazer com ela uma viagem por ano, como amantes. O pássaro
não queria largar a sua presa. Wally recusou e morreu poucos anos depois.
Edith tinha uma irmã, Adele, que também serviu de modelo e de
amante. Tudo sem a esposa ciumenta saber.
Com este casamento proveitoso Egon entrou na sua fase mais
serena e chegou a ter um quadro num museu estatal, o Moderne Galerie: Retrato da Mulher do Artista, Sentada.
A morte chegou cedo, aos vinte e oito anos, por culpa de um
vírus. A gripe espanhola matou em todo o mundo vinte milhões de pessoas. Foi
uma pandemia que atingiu até as regiões do Árctico. Esta doença foi o resultado
de uma mutação de extrema virulência do vírus influenza, o da simples gripe. Foi a imprensa espanhola que por ter
sido a que mais importância deu ao assunto que acabou por baptizar a praga
mundial.
Edith foi a primeira a morrer, grávida de seis meses,
subitamente e em sofrimento atroz. Egon teve três dias para a chorar e pintar
já cadáver. A sua morte foi também fulminante. O pássaro morreu de gripe.